CIVILIDADE

Artigo: Por mais tolerância nas relações

A convivência harmônica entre pessoas é, e sempre foi, um grande desafio. Mas parece que nos dias atuais, isso se tornou ainda mais acentuado, com a internet e as redes sociais

Recentemente, a juíza Kismara Brustolin — que atua como substituta na Vara de Trabalho de Xanxerê (SC) — tornou-se conhecida nacionalmente após a divulgação de um vídeo no qual ela aparece gritando com uma testemunha e advogados durante uma audiência por videoconferência. Na gravação, aos berros, ela exige ser chamada de "excelência". Ao questionar se era obrigado a tratar a juíza daquele modo, o rapaz foi intitulado "bocudo" por Kismara, tentou prosseguir com o depoimento, mas, por não atender à exigência da magistrada, teve sua janela de videoconferência fechada e foi excluído da sessão.

Após o ocorrido, Brustolin desconsiderou o depoimento da testemunha, alegando "falta de urbanidade e educação". A servidora pública, que pediu licença médica por 15 dias, está sendo investigada pelo Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, após o episódio ocorrido em 14 de novembro. O vídeo viralizou nas redes sociais em 28 de novembro. O episódio trouxe à tona a discussão acerca dos limites dos espaços de poder, em relação ao cidadão comum. E mais: por que algumas categorias profissionais são endeusadas pela sociedade e isso é tolerado de forma pacífica?

Outro fato polêmico tomou conta do noticiário, no fim de novembro, envolvendo um casal lésbico que acusou um segurança do shopping Multicenter, na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, de lesbofobia. O vídeo, que movimentou as redes sociais, mostra o momento da discussão entre as duas mulheres e o segurança. Ao que tudo indica, as vítimas estariam na praça de alimentação do shopping, onde teriam se beijado.

Diante da cena, o segurança teria as abordado e repreendido o gesto. Assim como no caso da juíza, com gritos escandalosos, uma das moças se defende, agredindo o segurança e chamando a atenção do público para o que elas entenderam como "ato preconceituoso, já que, se fosse um casal heterossexual, o mesmo não teria ocorrido".

Sem entrar no mérito, o que justifica elevar o tom de voz e posicionar o dedo em riste, quando nos sentimos desrespeitados? Que valores temos recebido de casa? Que exemplos temos dado aos nossos filhos? Como reagimos diante daquilo que não alcança nosso ego? Nos dois casos, a forma de expressão é o ponto.

É possível concluir que o desrespeito é, por assim dizer, um ato de intolerância que desvaloriza o espaço do outro e o impede de se expressar. Esse fenômeno é caracterizado pela filósofa Marilena Chauí como um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém, e pode se tornar um caminho sem volta, seja no âmbito pessoal ou profissional.

O fato é que estamos sempre cercados de pessoas — indivíduos dotados de particularidades, que precisam ser respeitados, para que haja uma boa convivência em casa, no trabalho ou em qualquer lugar em que circulemos. Contudo, a convivência harmônica entre pessoas é, e sempre foi, um grande desafio. Mas parece que nos dias atuais, isso se tornou ainda mais acentuado, com a internet e as redes sociais. Infelizmente, cenas de desrespeito têm sido cada vez mais comuns nos mais diversos tipos de ambientes. Por essa e muitas outras razões é que acreditamos ser importante falar sobre as consequências das atitudes desrespeitosas, para que, consigamos atingir e conscientizar um número cada vez maior de pessoas.

Uma das primeiras consequências do desrespeito é a promoção de um ambiente ruim para todos. Independentemente de se tratar de um ambiente pessoal ou profissional nos locais onde as pessoas não fazem questão de respeitar umas às outras, com toda certeza encontramos total falta de harmonia e extrema dificuldade de convivência.

Atitudes desrespeitosas são uma verdadeira armadilha, na qual todos nós estamos sujeitos a cair, principalmente quando temos convicção sobre algum tema específico ou sobre alguém. Por essa razão, para evitar ao máximo cair nos truques do ego e do orgulho, é que precisamos nos manter em constante vigilância, no que diz respeito às nossas palavras e ações.

O que queremos dizer com isso é que, muitas vezes, ao acreditarmos piamente em algo, caímos na tentação de querer convencer o outro a aderir ao nosso ponto de vista, desconsiderando totalmente que ali existe um ser humano que tem as próprias convicções e formas de enxergar o mundo ao seu redor.

Por fim, nunca fez tanto sentido olharmos para estas questões como algo urgente a ser revisto. No entanto, num mundo que nos cobra resultado e imediatismo, a pressão acaba por nos desconectar de nós mesmos. E sem consciência, fica mais difícil perceber os limites e o espaço do outro.

Em tempos de planejamento para o ano novo que vem por aí, o convite que pisca em letras garrafais e em neon na nossa testa é de ampliarmos a nossa tolerância e respirarmos algumas vezes, contendo os nossos impulsos, quando precisarmos fazer valer a nossa voz. Que em 2024, mais pessoas conheçam os princípios básicos da comunicação não violenta para que entremos nos trilhos com destino a uma sociedade mais pacífica e amorosa.

FLÁVIO RESENDE, jornalista e mentor de projetos e iniciativas de impacto social

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