O Brasil ingressa na "era da bioeconomia" sem conhecer adequadamente seus desafios, suas complexidades e seu real significado. Sem plano de voo. A COP28, em Dubai, tornou o debate mais politizado, polarizado e nebuloso. Exatamente quando precisamos de mais ciência para iluminar um caminho ainda obscuro, teremos mais do simplório, do "nós contra eles".
Numa equação desafiadora: de um lado, lideranças climatologistas, como o sueco Johan Rockström, alertam que a pretensão de limitar o aquecimento global a 1,5ºC neste século exige eliminar o uso de combustíveis fósseis e fazer uma revolução gigante nos sistemas agroalimentares; de outro, a FAO lembra que não saiu da agenda 2050 o encontro marcado com os 10 bilhões de habitantes que precisarão dos alimentos produzidos neste planeta de recursos naturais finitos.
A gestão de tarefa tão gigante exigiria um Plano Marshall planetário, unindo todas as competências disponíveis numa única direção e propósito. Mas o mundo em que vivemos é outro. Predominam a ebulição geopolítica e a degradação crescente da influência da visão científica sobre as sociedades. Caminhamos na direção de um Fla X Flu entre incendiários e os que defendem uma Amazônia intocada. Na plateia, os 28 milhões de brasileiros que moram na região recordista nacional em fome e miséria pela falta de ciência aplicada para organização de cadeias produtivas.
O açaí é um exemplo singelo das complexidades envolvidas. A Embrapa Amazônia Oriental registra que a demanda pela fruta cresce 15% ao ano; a oferta, 5%. O mercado aumentou 15.000% em 10 anos. Junto com ele, a pressão sobre a floresta. A crença segundo a qual o açaizeiro não deve receber melhoramento genético para diminuir de tamanho e nem tratamento econômico para aprimorar a logística eterniza uma situação em que os coletores são obrigados a subir em árvores de 20 metros e, depois, caminhar quilômetros com um saco pesado nas costas.
O combate à organização de cadeias produtivas da Amazônia despreza o conhecimento existente, exclui a geração de renda e empregos dignos, produto da escalagem (industrialização e serviços) oriunda de matéria-prima biológica alavancada por valor agregado. Ignorar a complexidade das relações sociais, ambientais e econômicas sempre implica degradação da condição humana e do patrimônio ambiental.
Para o cientista José Oswaldo Siqueira, "a Amazônia pode ser o grande celeiro global de produtos naturais". Mas não é para lá que estamos indo. Na COP30, os produtos amazônicos estarão alegremente expostos na vitrine do mundo — sem planejamento e sem organização do sistema produtivo. Outros se aproveitam disso. A China já é o maior produtor mundial de tambaqui. A pupunha que comemos vem de Santa Catarina (81%). A seringa que utilizamos (70%) é plantada na Bahia e em São Paulo. Na Amazônia, em se plantando tudo dá. Mas crescer mesmo, só fora de lá.
Um dos precursores do debate sobre bioeconomia do amanhã no país, o Fórum do Futuro fez uma ampla reflexão sobre potencialidades e fragilidades. Abrange um largo conjunto de conhecimentos e tecnologias, desde a gestão de pessoas e processos a intervenções técnicas, sociais e culturais na produção de alimentos e de energia por meio do uso sustentável dos recursos.
O ex-diretor Geral da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) Durval Dourado trouxe a baliza filosófica "Fato, Valor e Norma", que sistematiza a produção sob a ótica do impacto mínimo sobre a natureza. O ex-ministro Paulo Haddad, o planejamento das relações entre os ativos: o capital natural e o capital financeiro, científico e empresarial disponível. Evaldo Vilela, a sistematização do conhecimento. José Oswaldo Siqueira, a modelagem que aterrissa ciência na realidade. Paulo Romano, na gestão pública e privada. José Scolforo, a gestão de vocações e fragilidades do território. Mário Salimon, o impacto da inteligência artificial no agro. Marcia Azevedo, na educação. Francys Villela, na aferição e no monitoramento. Armando Mendes, na dimensão política.
Muitos trabalharam na agenda do Terceiro Salto, a visão de Alysson Paolinelli segundo a qual o Brasil é o grande player da bioeconomia capaz de enfrentar as principais crises globais da atualidade. Ninguém melhor que a Embrapa para coordenar programa tão ambicioso. O Banco Mundial pode ajudar. O tempo urge.
*Fernando Barros é jornalista e diretor executivo do Instituto Fórum do Futuro
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