Desde sua origem, o Brasil não se preocupou em se fazer uma nação. Nos contentamos em ser um país com território extenso, idioma comum, produção econômica grande. Nunca em formar um povo unificado, todos com o mínimo necessário a uma vida digna, a natureza protegida para as gerações futuras, a renda distribuída.
Há 500 anos, insistimos em ser um país com o povo dividido: livres e escravos, ricos e excluídos, condomínios e favelas, sobretudo com escolas de qualidade para poucos e a maioria sem escola. O recente informe do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mostra que o Brasil continua fingindo ser uma nação, por se negar a construir seu alicerce: a qualidade e a equidade como a educação é oferecida. Falta essa base que transforma a soma de território e população em nação.
Por séculos, negamos escolaridade à população, impedindo-a de ser elemento ativo na elevação da produtividade econômica. Por isso, somos a 9ª maior economia, mas nossa renda per capita está em 86ª posição. Ao proclamar-se República, a quase totalidade da população era analfabeta ou tinha baixíssima escolaridade. Só no sexto século de nossa história, já nos anos 2000, passamos a oferecer matrícula à quase totalidade de nossas crianças; mas sem a qualidade necessária e sem equidade para promover a aglutinação social que transforma população em um povo. Por isso, somos um dos campeões mundiais em concentração de renda: quase metade da renda social está nas mãos de apenas um por cento da população.
A principal causa dessa indecência e estupidez que barram a construção da nação brasileira está na histórica insistência em manter um sistema escolar dividido: 90% de "escolas senzala", a um custo médio de R$ 5 mil por aluno ao ano, em prédios ruins, com violência, paralisações, desmotivação, aulas em poucas horas diárias, poucos dias por ano, poucos anos por vida, mantendo dezenas de milhões no analfabetismo para o mundo contemporâneo; e 10% de "escolas casa grande", a um custo que chega a R$ 250 mil por aluno ao ano, em prédios bonitos, ensino integral, bilíngue, equipamentos modernos, sem paralisações e todos concluindo o ensino médio alfabetizados para a contemporaneidade.
O Pisa mostrou a baixa qualidade no desempenho médio dos nossos alunos, deixando o Brasil em 52ª posição entre 60 países. O resultado é baixa produtividade e falta de criatividade tecnológica necessárias para fazer um país rico no mundo contemporâneo. Mais grave, mostra que esse baixo desempenho médio esconde a profunda desigualdade entre a escola dos muitos pobres e a escola dos poucos ricos, impedindo a aglutinação nacional.
Nenhum governo brasileiro tentou elevar a educação média aos patamares dos melhores do mundo, ainda menos, quebrar a desigualdade que caracteriza a maneira como a educação é oferecida no Brasil, século depois de século, até os dias atuais; nem mesmo nos 40 anos da democracia contemporânea, de 1988 a 2023, dos quais 26 em governos considerados progressistas.
Sem esse alicerce, continuaremos presos à armadilha da renda média, campeões mundiais em concentração de renda, sujeitos à guerra civil da violência urbana, divididos entre favelas e condomínios, com democracia deficiente e instável, com a persistência da pobreza, requerendo assistência por bolsas a dezenas de milhões de brasileiros.
Para fazer o Brasil, será preciso garantir acesso de cada brasileiro à escola com a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço de sua família, todas equivalentes às melhores do mundo. Esse é o alicerce necessário, embora não suficiente, para fazer uma economia eficiente e uma sociedade aglutinada, graças à identidade criada ao longo da educação das crianças e jovens que irão construir uma nação de todos, por todos e para todos.
Para isso, é preciso que todas as nossas crianças sejam tratadas como brasileiras desde seus primeiros anos e não apenas na idade adulta, quando entram em uma universidade pública. O MEC precisa ser Ministério da Educação de Base, e o país dispor de um Sistema Único Nacional Público de Educação de Base, porque o futuro de um povo tem a cara das suas escolas de hoje. Para fazer o Brasil, é preciso fazer as escolas em que se forma o povo e cada um de seus futuros cidadãos.
* Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
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