NULL
JUDICIÁRIO

Artigo: Ensaio sobre a cegueira

A cobertura ocular é a representação da imparcialidade, que deve ser a bússola do Poder Judiciário

A cobertura ocular é a representação da imparcialidade, que deve ser a bússola do Poder Judiciário -  (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
A cobertura ocular é a representação da imparcialidade, que deve ser a bússola do Poder Judiciário - (crédito: Maurenilson Freire/CB/D.A Press)
postado em 18/12/2023 06:00

Fava contada, Flávio Dino foi aprovado como novo integrante do Supremo Tribunal Federal. O sucessor da ministra aposentada Rosa Weber simboliza uma nova temporada da Sala da Justiça, após o período turbulento pelo qual o sistema judiciário brasileiro passou nos últimos anos.

Um dos três pilares inabaláveis da estrutura democrática da nação, o direito andou cambaleando em meio a eventos políticos que desestabilizaram o país, como o impeachment da presidente Dilma Roussef, em 2016, a prisão do então ex-presidente Lula (PT), em 2018, e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro deste ano. Nesse episódio lamentável, presenciamos uma declarada mobilização para um novo golpe de Estado, agora explícito, quando uma parcela extremista da população decidiu radicalizar, levando à prática os ataques teóricos à Justiça — em especial a Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), alvo das contestações agressivas dessa fatia inflamada formada especialmente por seguidores do ex-presidente não reeleito Jair Bolsonaro (PL).

Esses autodenominados patriotas foram os primeiros a questionar a indicação de Flávio Dino ao STF. Ensaiaram, inclusive, manifestações em repúdio ao nome, intimamente ligado ao presidente Lula. Há um temor coletivo em torno das decisões "comunistas" que o jurista tomará na cadeira suprema, que camufla o que realmente apavora os gurus dessa turma. Em suas mãos, é esperado que a justiça seja feita. Na essência, o ministro não escapa ao vício da indicação política: existe a expectativa de que muitos processos poderosos serão analisados com um olhar diferenciado.

Mas a Justiça é cega? Ouve-se esse consenso coletivo há séculos. Porém, a figura da deusa Themis utilizada para endossar a ausência de visão simboliza que ela está com os olhos vendados, e quem não enxerga não precisa ter a vista coberta. A cobertura ocular é a representação da imparcialidade, que deve ser a bússola do Poder Judiciário. Independente das interferências externas, a Justiça busca fortalecer a confiança da sociedade no Estado democrático de Direito. E espera-se que o novo ministro traga como espada a lisura com que construiu sua exitosa carreira política.

De toda forma, o princípio da imparcialidade vai além da independência institucional. A legitimidade da Justiça se manifesta na igualdade de tratamento a todos. E é importante que a sociedade se enxergue representada além desses interesses ideológicos.

Juízes são seres humanos suscetíveis a percepções pessoais. É por essa razão que, além das três instâncias que se sobrepõem, o sistema judiciário é estruturado de maneira a garantir processos democráticos. É um desafio eterno, que só tem a ganhar com a pluralidade nas cadeiras da magistratura e que confirma a necessidade primordial de que o povo não acuse a Justiça de ser cega, mas tire dos próprios olhos a viseira que o impede de acompanhar, com atenção, as movimentações jurídicas.

Embora não exista no Poder Judiciário a escolha popular, é sempre importante lembrar que a legislação e a execução dela estão nas mãos de quem é escolhido nas urnas.

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação
-->