O resultado da eleição presidencial do ano passado continua presente na política brasileira atual. O presidente Lula venceu o pleito por dois por cento dos votos, número que revelou a forte presença da direita truculenta de Bolsonaro insatisfeita com os governos do PT. Mas quem deu aquela mínima diferença a Lula foi o profundo sentimento antibolsonarista que vicejou nos últimos tempos. É fácil perceber que Lula venceu porque Bolsonaro não soube atrair a maioria dos desapontados com as suas grosserias e a falta de visão administrativa. Ele não construiu nada em seu mandato.
A questão permanece em aberto. Na Conferência Nacional no PT, realizada há uma semana, as contradições da agremiação foram expostas à curiosidade pública. "Por que um partido que tem toda a verdade do mundo não consegue eleger mais do que 70 deputados?", perguntou o presidente Lula. "Por que tão pouco se a gente acha que poderia ter muito mais? Será que estamos tendo a competência para convencer o povo de nossas verdades?", questionou o chefe do Executivo. São perguntas dolorosas porque o tempo passou na janela e o comando do PT não percebeu.
É curioso que o próprio Lula, em discurso posterior àquele encontro, tenha declarado que não haveria nenhum problema em endividar o país para financiar o desenvolvimento. Quem acompanha a política e a economia brasileiras ouviu isso antes. Nos governos militares, era exatamente essa a proposta: fazer grandes projetos financiados com capital externo. Quando os juros dispararam no exterior, o Brasil ficou sem dinheiro para tocar as obras e honrar os pagamentos da dívida externa. Foi a década perdida.
A política desenvolvimentista, da época de ouro do ex-ministro Delfim Neto, não vai se reproduzir agora. Naquele tempo, como Lula lembrou diversas vezes, as fábricas disputavam mão de obra entre elas. Era possível negociar salários e melhores condições. Grandes montadoras de automóveis trabalhavam com cerca de 10 mil empregados. Hoje, as maiores não têm mais que mil empregados. Aquele excesso foi substituído por robôs e computadores.
O exercício do trabalho ficou muito fragilizado. Nos grandes conglomerados financeiros, a informática avançou e substituiu a mão de obra. E, hoje, várias camadas de trabalhadores qualificados preferem trabalhar em casa sem qualquer vínculo empregatício. São freelancers que ganham bem em qualquer lugar do mundo. Em outro nível, os motoristas de aplicativo, que trabalham quando querem e podem, não têm chefe. Eles trabalham para eles mesmos. Nessa perspectiva, os sindicatos precisam oferecer algo além da luta por melhores salários.
Dentro dessa moldura, é surpreendente ver Gleisi Hoffmann, presidente do PT, criticar, dia sim, dia não, o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, ex-candidato à Presidência da República pelo próprio PT. Ela não quer respeitar os limites de gastos porque olha para a eleição do próximo ano e pretende jogar dinheiro no pleito para eleger prefeitos em todo o país. Ela também critica a política de juros elevados praticada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Se o observador voltar um pouco no tempo, vai lembrar que a então presidente Dilma Rousseff procedeu exatamente como Gleisi defende agora. O resultado é tristemente lembrado: a então presidente provocou uma feroz recessão econômica que, entre outras consequências, ajudou a retirá-la do poder. Um desastre.
Sindicalistas dos anos 1970 não conseguem perceber o tamanho da mudança ocorrida na economia nacional e internacional. O Brasil, em duas décadas, se transformou no maior exportador de alimentos do mundo. Agora, inicia-se outra etapa para exportar alimentos processados. Pretende ser uma espécie de supermercado internacional. Tudo isso se faz com muita tecnologia, inteligência artificial e técnicos qualificados no setor de informática. O improviso foi aposentado.
A globalização levou empregos para onde o custo era menor. Depois da guerra da Ucrânia, a globalização acrescentou um novo item: confiança. Assim, os centros fornecedores, além de garantir a qualidade, precisam ser confiáveis — ou seja, entregar o prometido no prazo. Isso significa estar próximo ao mercado consumidor. É a vantagem competitiva do México. O Brasil dispõe da enorme oportunidade de investir na fronteira norte. É a chance de ouro para a nova geração. Abrir imensa frente de oportunidades comerciais e agrícolas financiadas pelo dinheiro do petróleo das Guianas e da Margem Equatorial. Mas isso acontece longe de São Paulo. Os sindicalistas não têm a menor ideia de onde fica Roraima, Guiana ou Amapá. É preciso ter olhos de ver.
*ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
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