O ultradireitista Javier Milei toma posse, hoje, como presidente da Argentina em meio a um clima misto de otimismo e apreensão. Durante toda a campanha que o levou à Casa Rosada, ele se apresentou como um anarcopolítico, prometendo medidas radicais, como a dolarização da economia e o fechamento do Banco Central. Contudo, às vésperas de assumir o poder na terceira economia latina, o integrante do partido La Libertad Avanza (LLA) deu sinais de que colocou os pés na realidade, ante os desafios gigantescos que tem pela frente para dar início a um novo tempo para os argentinos. Há mais de duas décadas, eles convivem com constantes crises econômicas, inflação descontrolada e aumento da pobreza.
A meta de Milei, amanhã, é anunciar um pacote de 14 medidas que incluem cortes de gastos, retirada de subsídios às tarifas de energia elétrica, liberação dos preços dos combustíveis, da cesta básica e dos planos de saúde, aumento dos impostos de importação, desvalorização do peso e privatizações. A expectativa é de uma redução das despesas do governo equivalente a 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB), ou US$ 25 bilhões (R$ 122 bilhões). Se tal arrocho se concretizar, a Argentina será empurrada para uma forte recessão, com a inflação saltando dos atuais 140% para 200% ao ano, por conta dos ajustes de preços.
É nesse ponto que se verá até onde vai a liderança de Milei junto à população. Não é uma tarefa fácil para qualquer governante, independentemente da ideologia política, lidar com um aperto tão expressivo da economia, sobretudo, em um país tão machucado quanto a Argentina, onde um em cada quatro cidadãos está na pobreza. Maurício Macri, que apoia o ultradireitista, não teve coragem de fazer o arrocho de uma única vez. Optou pela gradualidade das medidas, o que, na visão de analistas, foi o resultado de seu fracasso, a ponto de não ser reeleito. A Argentina, lembram, já está mergulhada na estagflação.
A liderança de Milei será testada, também, na relação com o Congresso. A maior parte do pacote de medidas depende de aprovação parlamentar, mas o presidente argentino ficou longe de garantir uma maioria. Dos 72 senadores, apenas sete são do partido dele. Na Câmara, dos 257 eleitos, somente 38 pertencem ao La Libertad Avanza. O sucesso do novo governo argentino, portanto, dependerá de diálogo e soluções inclusivas. Resta saber se o radical Milei, que prometeu acabar com a classe política tradicional, conseguirá descer do palanque e priorizar, realmente, os interesses da população tão sofrida.
A ala de economistas e empresários que se mostra otimista acredita que o pior momento para o governo será o primeiro trimestre de 2024, quando o arrocho será sentido com toda força. Mas, a partir do momento em que a inflação e o câmbio se estabilizarem, a confiança voltará e a atividade sairá do fundo do poço. O peso, de imediato, deve passar, no câmbio oficial, dos atuais 350 para 650 por dólar, dando fôlego às exportações. O pior da seca extrema que destruiu o setor agrícola ficou para trás, o que também resultará em mais vendas ao exterior. As receitas provenientes dessas operações permitirão arrecadação maior, ajudando na missão de reduzir o deficit público, de 15% do PIB, no ano que vem — Milei fala em zerar o rombo.
Enfim, a sorte da Argentina está lançada. No Brasil, o principal parceiro comercial do vizinho, a percepção é de que o trabalho a ser feito por Milei exigirá bom senso, algo muito distante dos arroubos da campanha eleitoral. O argentino prometeu romper os laços com o país, mas, logo depois do resultado das urnas, enviou a sua ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino, para uma longa conversa com o chefe do Itamaraty, Mauro Vieira. Para o Brasil, é importante que a Argentina retome o caminho do crescimento econômico. Mas sem confrontos ideológicos e, sim, como dois parceiros estratégicos e maiores sócios do Mercosul.
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