Antes mesmo de entrar na Casa Rosada, Javier Milei, o presidente eleito da Argentina, já soou o alerta para os tempos difíceis que irão marcar o início de seu governo. De acordo com ele, o país irá passar por uma "estagflação", ou seja, uma recessão econômica acompanhada de uma alta de preços. Para Milei, serão necessários de 18 a 24 meses para domar a inflação argentina.
Discussões sobre a dolarização da economia e o fim do Banco Central argentino precisarão ficar para depois: o país precisa, no curtíssimo prazo, de um pacote de estabilização macroeconômica. Esse pacote deve envolver uma combinação de desvalorização do peso (e unificação dos múltiplos regimes cambiais em nível condizente com a situação externa), aumento da taxa de juros real e cortes de gastos públicos e subsídios.
Com um acordo em curso com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Argentina não tem reservas em dólares suficientes para estabilizar o câmbio. A conta corrente é deficitária, bem como as contas públicas: o país deve fechar o ano com um deficit primário superior a 2% do PIB e uma dívida pública ao redor de 90%. O novo presidente vai assumir no próximo domingo, e, em janeiro, o país precisará pagar US$ 2 bilhões de dívida ao FMI, mais US$ 1,5 bilhão em juros de títulos.
A consolidação fiscal é o grande desafio da Argentina, tanto do ponto de vista político quanto econômico. O acordo com o FMI estabeleceu metas fiscais que não foram cumpridas — entre outras coisas, pela resistência do governo em liberar o preço de tarifas subsidiadas e segurar o crescimento dos gastos. Uma reforma de pensões e aposentadorias também será necessária, com gastos se aproximando de 8% do PIB.
Após o pacote inicial, os esforços do novo governo devem ser direcionados a estabilização do câmbio, reforma do regime fiscal das províncias, liberalização do comércio exterior, reforma tributária e trabalhista, aumentando a competitividade da economia.
Ao desafio econômico se soma o desafio político. Milei começará seu mandato com um governo, ao menos no papel, mais fraco que o de Fernando De la Rúa — que, vale lembrar, não conseguiu completar seu mandato e renunciou em 2001, em meio à pior crise econômica e política da história da Argentina.
A base minoritária de Milei no Parlamento precisaria se somar a outros partidos se quiser formar maiorias legislativas. Milei já demonstrou entender o tamanho do desafio incluindo quadros macristas em posições-chave de seu governo. Junto a essas lideranças, há necessidade de burocratas e políticos capazes de navegar no cenário atual. "A preocupação com a governabilidade é a mais real de todas", escreve Sebastián Mazzuca, professor de ciência política da Universidade Johns Hopkins. "Milei tem uma equipe de amadores. Precisa de 100 políticos profissionais e 200 tecno-políticos para começar a conversar. Ele não os tem."
Além de negociadores políticos e formuladores de políticas públicas, o próximo presidente argentino precisará de pessoas e estratégia para lidar com uma iminente onda de protestos. A oposição peronista e trotskista sairá às ruas. Um cenário de caos público pode intimidar os investidores de que a economia argentina tanto precisa. A estabilização econômica dependerá da capacidade de Milei em estancar a reação social contra suas medidas de reforma fiscal, monetária e trabalhista.
O mandato de Milei se apresenta como uma oportunidade para mudar o curso da história econômica argentina, assim como um enorme desafio que exigirá habilidades políticas e visão de longo prazo. Mas, no curto prazo, a herança econômica recebida por ele exige ação rápida e decisiva para melhorar expectativas e dar ao novo governo espaço para discutir uma agenda de longo prazo.
O sucesso do novo governo dependerá, em grande medida, de sua capacidade de se manter fiel aos seus princípios de livre mercado e reformas econômicas, sem alienar setores importantes da sociedade. Milei terá que encontrar um equilíbrio entre a aplicação de políticas econômicas necessárias e a manutenção de um nível aceitável de estabilidade social e política. Não será fácil, mas repetir os erros do passado não ajudará em nada nesse momento de turbulência.
* Reginaldo Nogueira é diretor sênior do Ibmec. Diogo Costa é CEO do Instituto Millenium
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