O florescimento do mercado de capitais depende de um ambiente institucional adequado com regras claras, consistentemente aplicadas, que confiram aos agentes um grau de calculabilidade que lhes permita planejar e precificar seus negócios.
As ofertas públicas de aquisição (OPAs) por alienação de controle são, possivelmente, um dos exemplos mais evidentes no direito brasileiro da necessidade de segurança jurídica. Ao estabelecer que a alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta impõe a realização de OPA, cria-se um grau de imprevisibilidade ao adquirente de controle que, na partida, não tem certeza sobre quantas ações irá adquirir — e, consequentemente, sobre o volume de recursos que terá que despender ao final da operação.
É fundamental, portanto, que se tenha segurança sobre quando a OPA deve ser lançada. Felizmente, o espaço para dúvidas sobre o conceito de "alienação de controle" e, consequentemente, sobre as hipóteses de incidência da regra, foi drasticamente reduzido ao longo das últimas décadas, principalmente em função do trabalho da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Após o ressurgimento da OPA por alienação de controle em 2001, a CVM interpretou a norma em diversos casos concretos e estabeleceu parâmetros que certamente forneceram um importante grau de previsibilidade e calculabilidade ao mercado brasileiro.
Um forte indicativo disso é o número de processos levados ao Colegiado da CVM para discutir se determinada operação consistiu em alienação de controle, gerando, por consequência, a obrigação de lançamento de OPA. Tais casos eram muito frequentes nos anos que se seguiram à reforma da lei e caíram bruscamente nos últimos anos. Nesse período, o mercado brasileiro se tornou maior e mais dinâmico. As alienações de participações relevantes, incluindo aquelas que envolvem alienação de controle, se tornaram mais frequentes. A redução no número de casos controversos deve-se, portanto, à formação de uma jurisprudência clara.
Essa previsibilidade, duramente construída, reflete o salutar amadurecimento do mercado brasileiro — uma conquista que deve ser reconhecida e preservada. Controvérsias jurídicas relacionadas à hipótese de incidência de uma regra que impõe custos tão relevantes não contribuem em nada para o desenvolvimento de um mercado pujante, no qual empresários e investidores se sintam confortáveis em acessar. Por isso, deve ser vista com preocupação a possível reversão de entendimento no caso de suposta alienação de controle da Usiminas pelo STJ em embargos de declaração, cujo alcance é notadamente restrito para hipóteses de omissão, contradição ou obscuridade, o que não parece existir no extenso e preciso voto vencedor.
A CVM analisou o tema detidamente e decidiu, de forma absolutamente coerente com os seus precedentes, que não houve, no caso, alienação de controle, posição adotada tanto pela área técnica quanto pelo Colegiado. E, no Poder Judiciário, o mesmo entendimento foi acolhido por diversas decisões, inclusive pelo próprio acórdão do STJ que julgou o recurso especial do caso.
O acórdão do STJ confirmou as decisões da 1ª instância e, de forma unânime, pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, no mesmo sentido que vem decidindo a CVM. Já na análise dos embargos de declaração, dividiram-se, de um lado, os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi, que votaram no sentido de que o processo deveria retornar à 1ª instância, e, de outro, os ministros Moura Ribeiro e Humberto Martins, que opinaram por uma preocupante reversão do julgamento, contrariamente às decisões anteriores.
Espera-se que o voto de desempate seja no sentido de manter a posição repetidamente adotada sobre o caso, tanto na CVM quanto no Poder Judiciário. Parafraseando a famosa frase de Julius von Kirchmann, corre-se o risco de, com uma penada, colocar abaixo a previsibilidade trazida pela jurisprudência sobre OPA por alienação de controle, em grave prejuízo ao mercado de capitais e ao ambiente de negócios de nosso país.
Gustavo Machado Gonzalez - Ex-diretor da CVM. Atua como advogado, parecerista e árbitro em questões de direito societário e regulação do mercado de capitais
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