O importante papel dos estudos clínicos para o desenvolvimento de medicamentos fundamentais para a saúde da população brasileira e mundial ficou claramente demonstrado durante a pandemia do Sars-CoV-2. Somente com base no teste controlado em humanos, é possível comprovar e garantir a eficácia e a segurança de medicamentos e vacinas.
A urgência sanitária provocada pela pandemia descortinou também outra questão valiosa: que era possível organizar, aprovar e realizar pesquisas clínicas com mais rapidez, sem comprometer os métodos de análise e controle e sem pôr em risco os indivíduos participantes dos testes.
O Brasil esteve na linha de frente do processo de desenvolvimento e estudo clínico de vacinas contra a covid-19. Essa mobilização notável de cientistas, instituições e profissionais de saúde, e da indústria farmacêutica salvou milhões de vidas, apesar do negacionismo oficial.
O ambiente para a realização de pesquisas clínicas no país melhorou, mas muitas normas, critérios e processos de decisão ainda precisam ser refinados para que o país tire proveito do enorme potencial que esses estudos oferecem para o progresso da ciência e da inovação e o fortalecimento do complexo econômico da saúde — além de melhorar a balança comercial.
A recente aprovação do PL 7082/2017 na Câmara dos Deputados representa um avanço que precisa ser referendado, agora, pelo Senado Federal. Um aspecto que o PL aprovado na Câmara aprimora é o dos direitos dos indivíduos de pesquisa. Esse ponto é especialmente sensível no caso das terapias biotecnológicas para doenças raras e ultrarraras, que demandam regras específicas, dado o pequeno número de pacientes que envolvem.
Se o país deixou de receber estudos clínicos internacionais muito antes da pandemia, pela demora em aprová-los e por lacunas regulatórias, os testes dos produtos de terapias avançadas podem criar obstáculos para sua realização aqui. O texto leva em conta a experiência internacional consagrada. Diversos países da Europa e da América do Sul adotam padrões equilibrados e bem definidos que respeitam os direitos dos indivíduos das pesquisas.
No Brasil, é sempre importante evitar as abordagens ideológicas, que, às vezes, geram impasses que inviabilizam o debate e a melhoria de políticas públicas. E no caso das pesquisas clínicas, esse tipo de situação certamente afastaria o país do circuito mundial de pesquisa e desenvolvimento em saúde, no qual os chamados estudos clínicos multicêntricos, realizados simultaneamente em diversos países, cumprem uma função relevante.
Outro foco correto do PL é o aprimoramento do arcabouço regulatório dos testes de medicamentos em humanos no âmbito da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), eliminando eventuais focos de imprevisibilidade e insegurança jurídica — tendo em vista que previsibilidade e segurança jurídica são os dois pilares que sustentam e estimulam a atuação da indústria farmacêutica no mundo.
Dos 443.624 estudos clínicos realizados ou em andamento no mundo, o Brasil recebeu apenas 9.156 (2% do total). Estados Unidos (160.278) e Europa (127.243) ficaram com a maioria, seguidos por Coreia do Sul (33.143) e França (29.240). O potencial de crescimento da participação brasileira é enorme, como se constata.
Reafirmo o que já escrevi em outras oportunidades: o país tem tradição e experiência em ensaios clínicos: possui pesquisadores, hospitais, centros de pesquisa de renome internacional e uma indústria farmacêutica instalada no país capaz de alimentar esse circuito permanentemente, com enormes benefícios para a economia e a saúde da população.
Sendo assim, o Brasil não pode perder a oportunidade que os estudos clínicos abrem para o impulsionamento da inovação em saúde, a atração de investimentos nacionais e internacionais e a ampliação do acesso a medicamentos inovadores no sistema de saúde público e privado.
Se o Congresso Nacional está prestes a desatar os nós que limitam a realização dos testes de medicamentos em seres humanos, cabe ao Executivo providenciar os instrumentos adequados para viabilizar a constituição de um 'hub' de estudos clínicos no país. Esse deve ser um dos objetivos estratégicos do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Geceis), instituído recentemente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
* Nelson Mussolini é presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde
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