"Por que as crianças também precisam sofrer? Dirá alguém que elas carregam em sua carne os pecados de seus pais e, portanto, são cúmplices? Um cínico poderia sugerir que a criança crescerá e pecará em tempo devido. Mas esse menino de 8 anos não teve a chance de crescer; ele foi despedaçado por cães. Nenhuma harmonia futura resgatará uma única lágrima da criança mártir. Se as lágrimas das crianças são necessárias para aperfeiçoar a soma de dor que serve como resgate pela Verdade, afirmo categoricamente que ela não merece pagar um preço tão alto." — Dostoiévski, Os Irmãos Karamazov.
Durante as quatro intervenções militares israelenses na Faixa de Gaza (2009, 2012, 2014, 2021), cerca de 7.759 palestinos foram mortos, incluindo 1.741 crianças e 571 mulheres, de acordo com os números fornecidos pela organização humanitária israelense B'Tselem. Em resposta ao assassinato de 1.400 israelenses, a maioria dos quais eram civis, incluindo 31 crianças, e ao sequestro de mais de 200 reféns, incluindo 30 crianças, por elementos armados do Hamas de Gaza, os ataques aéreos israelenses em um mês mataram mais crianças em Gaza do que nos últimos 23 anos: 5.500 crianças palestinas foram mortas e centenas estão desaparecidas, enterradas sob os escombros de edifícios bombardeados, de acordo com fontes das Nações Unidas. Os nomes das vítimas são registrados pelo Hamas e podem ser verificados por Israel, que controla os serviços civis na Faixa de Gaza desde 1967.
"O assassinato e a mutilação de crianças, o sequestro de crianças, os ataques a hospitais e escolas, bem como a recusa de acesso humanitário, constituem graves violações dos direitos das crianças. A situação na Faixa de Gaza está se tornando cada vez mais preocupante para a nossa consciência coletiva. As taxas de mortalidade e ferimentos infantis são simplesmente alarmantes", afirma Adele Khodr, diretora regional do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para o Oriente Médio e Norte da África. Gaza tornou-se um "cemitério de crianças", denunciado em 6 de novembro pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
Por que as crianças palestinas devem ser responsabilizadas pelos assassinatos cometidos pelo braço armado do Hamas, que Israel cita para justificar a destruição de Gaza? Por que essas crianças são mortas, feridas e tratadas com tanta crueldade? A morte de crianças pequenas como vítimas dos ataques israelenses em Gaza contribuiu para a segurança do Estado de Israel no passado?
Otto Olhendorf, um dos líderes dos Einsatzgruppen, admitiu durante os julgamentos de Nuremberg que executou 90 mil pessoas em poucos meses, principalmente judeus, na Ucrânia, sem nenhuma necessidade militar, e sem poupar as crianças. Para justificar a execução das crianças, Ohlendorf afirmou: "Acredito que seja muito simples de explicar se partirmos do princípio de que essa ordem visava não apenas garantir a segurança temporária, mas a segurança permanente, e que, por esse motivo, essas crianças cresceriam e, tendo seus pais sido mortos, representariam, indiscutivelmente, uma ameaça tão grande quanto seus pais representavam".
O presidente Isaac Herzog declarou em 9 de outubro: "O Hamas construiu uma máquina infernal em nossa porta. Toda a população de Gaza é responsável. Não é verdade dizer que os civis não estão envolvidos. Isso simplesmente não é verdade. Eles poderiam ter se levantado contra esse regime malévolo". As crianças, cúmplices?
Em uma população de 2,3 milhões de habitantes, a Faixa de Gaza possui um milhão de crianças e adolescentes. Quantos órfãos serão necessários para reconhecermos que a intervenção militar israelense é um ato de genocídio? Teremos que inscrever na entrada da Faixa de Gaza amanhã: "Não atirem nos órfãos", como indicava a placa pintada colocada no orfanato de Long Binh, no Vietnã, pelo exército americano, à qual o poeta e veterano Doug Rawlings dedicou um poema amargo (Please, Don't Shoot the Orphans).
Segundo um relatório da organização internacional de defesa dos direitos da criança Save The Children, publicado em junho de 2022, sob o título Enredados (Trapped), quatro em cada cinco crianças em Gaza sofriam de depressão e ansiedade. Como os jovens testemunhas desses massacres que atingem suas famílias e vizinhos se comportarão no futuro? As crianças sobreviventes de Gaza se resignarão? Ou um novo monstro não emergirá das lágrimas, das cinzas e das ruínas de Gaza? O mesmo monstro mencionado por Friedrich Nietzsche em sua obra Além do bem e do mal: "Aquele que luta contra monstros deve tomar cuidado para não se tornar um monstro. E quando você olha por muito tempo para um abismo, o abismo também olha para dentro de você".
PATRICK HOWLETT-MARTIN, diplomata, ex-conselheiro da Embaixada da França em Brasília
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br