Apolítica brasileira é ciclotímica desde tempos imemoriais. Não há vencedores absolutos nem perdedores definitivos na história do Brasil. Todos se acomodam de maneira que o objetivo é sempre o consenso. Essa é uma norma não escrita. Sempre que surge alguém disposto a denunciar, avançar em reformas estruturais, o tempo se encarrega de reduzir o ímpeto de quem diverge do centro. A escravidão foi protelada até que a princesa Isabel, que não era dedicada à política e aos políticos, assinou a Lei Áurea. Um ano depois, o Império caiu e foi substituído por uma República hesitante, monitorada por militares. Uma fábrica de crises que existe até hoje.
Em tempos recentes, a operação Lava-Jato foi saudada por todos aqueles que desejavam modernizar a política nacional. Acabar com os desvios de verba, sobretudo aqueles verificados na Petrobras. Muita gente confessou, devolveu milhões de dólares à petroleira e bom número de políticos foi preso, inclusive o então ex-presidente Lula. Por intermédio de uma hermenêutica complexa, o STF foi liberando um a um todos os acusados, inclusive Lula, o metalúrgico, que se transformou, pela terceira vez, em presidente da República. Nada é definitivo na história do Brasil. Em política, se morre várias vezes.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal, por diversas circunstâncias, se transformaram, nos últimos anos, numa espécie de consciência nacional. O ex-presidente Jair Bolsonaro tentou de todas as formas encontrar o caminho para o golpe de Estado. Criticou nomeadamente os ministros do STF, falou mal das urnas eletrônicas, exaltou o poder dos militares e ameaçou não cumprir decisões judiciais. Suas excelências se expuseram demais em entrevistas públicas sobre os mais diversos assuntos, chegando, inclusive, a apresentar projeto de governo.
De repente, o Egrégio Colegiado transformou-se em trincheira para defender a democracia brasileira. Os ministros responderam aos ataques recebidos e à violência cometida contra o prédio do STF e, em especial, seu plenário. Eles fizeram política. Aliás, não há um Supremo, existem 11 Supremos, cada ministro tem espaço suficiente para exercer seu trabalho. E opinar sobre os caminhos a serem percorridos pelo país. Não há dúvida de que os ministros, em alguns momentos, foram além da linha vermelha, a que não pode ser ultrapassada
A proposta de emenda constitucional aprovada pelo Senado por 52 a 18 não muda a essência da rotina dos trabalhos da suprema corte. Recentemente, o jurista Joaquim Falcão perguntou a um presidente do STF como é elaborada a pauta de uma sessão plenária. A resposta é impressionante: por uma funcionária de segundo escalão. Algumas mudanças já tinham sido objeto da preocupação da ex-presidente Rosa Weber. Ela determinou prazo para o pedido de vista. Ela, aliás, cumpriu brilhantemente sua presidência sem dar entrevistas, nem se pronunciar sobre a política brasileira. Discreta, fez valer sua opinião sem provocar nenhum tumulto.
O presidente Roberto Barroso, ao lado de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, criticaram a proposta de emenda à Constituição em declarações feitas durante sessão do STF. O ministro Barroso "não vê razão" para mudanças em seu funcionamento. O presidente do STF também afirmou que há temas "importantes e urgentes" que deveriam estar sendo debatidos. Gilmar Mendes foi mais incisivo: "É preciso altivez para rechaçar esse tipo de ameaça de maneira muito clara. Essa Casa não é composta por covardes. Essa Casa não é composta por medrosos".
O ministro Alexandre de Moraes disse que "a discussão de ideias e o aprimoramento das instituições são importantes instrumentos da democracia. Mas não quando escondem insinuações, intimidações e ataques à independência do Poder Judiciário. E principalmente a independência deste Supremo Tribunal Federal".
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, surpreendeu. Deixou a tranquilidade dos mineiros (ele nasceu em Rondônia, mas faz política em Minas) e reafirmou a competência do Senado para propor legislação, inclusive para modificar a rotina do Supremo Tribunal Federal. Ele afirmou que não houve preocupação em confrontar o Supremo, apenas de evitar que uma pessoa, um ministro, monocraticamente possa modificar atos do presidente da República, quando ele é competente para praticar aquele ato. A PEC pretende que as decisões sejam resultado da votação de todo o colegiado.
Trata-se de uma crise com desfecho anunciado. O presidente Artur Lyra deverá colocar a PEC em majestosa gaveta. Mas esse movimento tem preço. Vai se tornar em uma espada de Dâmocles sobre a cabeça dos ministros. Negociar será preciso. Se não, a crise retornará.