A crise política instalada após a aprovação pelo Senado, por 52 votos a favor e 18 contrários, de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o poder de os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tomarem decisões monocráticas em relação a atos do Executivo e do Legislativo, além de intempestiva, é muito artificial. Não existe nenhum fator relevante na conjuntura que determinasse a aprovação da PEC a toque de caixa, a não ser interesses menores da disputa pela sucessão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o ressentimento dos senadores aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Essas circunstâncias, muito mais do que o mérito da decisão, geraram um ambiente de profundas desconfianças entre Pacheco, os ministros do Supremo e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que precisa ser revertido, para não se desdobrar em uma crise institucional. Rompeu-se o pacto em defesa da ordem democrática firmado por esses atores, por ocasião das eleições de 2022, que foi fundamental para garantir o processo de votação e a posse de Lula, mas sobretudo frustrar a tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro deste ano.
A troca de farpas entre Pacheco e o presidente do Supremo, ministros Luís Roberto Barroso, revela que o momento é muito delicado. Há forças políticas interessadas nos aspectos mais negativos da ruptura desse pacto e na configuração de uma crise institucional, o que não é o caso de Pacheco nem de Barroso. O momento é difícil para o país, que enfrenta problemas de ordem econômica e que exigem a mesma solidariedade entre os Poderes da República como ocorreu quando a democracia estava em risco iminente.
Nos meios políticos e no mundo jurídico, há muitas críticas à atuação de alguns ministros do Supremo, sobretudo quando tomam decisões polêmicas, que invadem a esfera de atuação dos demais poderes, mas não se pode jogar a criança fora com a água da bacia. É perfeitamente possível um entendimento em relação às decisões monocráticas, para que se chegue a um texto negociado, que não agrida a competência constitucional de o Supremo estabelecer o regimento de seu próprio funcionamento, num momento em que o ambiente político seja mais favorável.
Uma das críticas, por exemplo, com relação aos pedidos de vista, já havia sido incorporada ao regimento do Supremo. O eixo do entendimento, obviamente, deve ser o respeito ao devido processo legal por parte dos ministros e a preservação de suas prerrogativas constitucionais. Não se deve, porém, subestimar as intenções dos setores que mais se contrapõem ao Supremo no Congresso.
São forças políticas radicalizadas, sem compromisso doutrinário com a democracia representativa, que não defendem a ordem liberal clássica, nem mesmo em bases conservadoras. Esses setores empinaram as bandeiras do negacionismo e do "iliberalismo". Este, se sustenta em maiorias eleitorais e parlamentares eventuais para desrespeitar o direito ao dissenso, a alternância de poder, o pluralismo político, a diversidade, os direitos sociais e as minorias.
O Supremo é a instituição capaz de tomar decisões contramajoritárias em defesa da Constituição e contra maiorias eventuais. Rússia, Hungria, Venezuela, para citar três exemplos, são países cujos governantes subjugaram a Corte Suprema para se perpetuar no poder e massacrar a oposição. Ainda bem que as conversas de bastidor entre representantes dos Poderes estão ocorrendo, para jogar água nessa fervura. O país tem uma agenda econômica muito complexa, na qual o conflito distributivo se agrava com o deficit fiscal. Há decisões muito mais importantes em jogo, que precisam ser resolvidas com base no diálogo, e não no confronto entre o Executivo, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.