Meio ambiente

Mudanças climáticas e saúde mental: a onda invisível

Os efeitos dos extremos de temperatura sobre o corpo humano já são bem conhecidos e preocupantes. Agora é o momento de olharmos para os seus efeitos sobre a saúde mental

Nas últimas semanas, passamos por várias ondas de calor e, com elas, veio uma onda não menos intensa de recomendações sobre como manter a saúde sob as altas temperaturas: "Beba água!", "Evite se exercitar ao ar livre!", "Coma alimentos leves!"…

Diante dessa maré nada refrescante, uma pergunta está passando despercebida: como ficam suas emoções diante das mudanças climáticas? Se você tem se sentido estressado, um aviso: você não está sozinho.

Temperaturas acima dos 30°C estão associadas à piora do bem-estar, insônia, fadiga e irritabilidade na população geral, e indivíduos que já sofrem com algum transtorno mental estão ainda mais vulneráveis aos efeitos do aquecimento global.

Um estudo publicado na revista científica Environment International identificou que, para cada aumento de 1°C na temperatura ambiente, houve um aumento na mortalidade por saúde mental, incluindo suicídio e automutilação. Da mesma forma, aqueles que tinham depressão, bipolaridade, ansiedade ou esquizofrenia apresentaram piora de seus sintomas. Na prática, isso significa aumento de sofrimento para pacientes e familiares, maior demanda por atendimento emergencial e ambulatorial e mais custos de tratamento.

Notadamente, o calor excessivo não é o único evento climático capaz de gerar sofrimento emocional. Tempestades, enchentes e deslizamentos retratam outro aspecto das mudanças climáticas e estão cada vez mais frequentes no Brasil. Seus efeitos abruptos e, muitas vezes, catastróficos, como a perda de entes queridos e bens materiais fruto de anos de trabalho, se associam ao aumento de casos de depressão, transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e até mesmo suicídio. Quando esses eventos extremos atingem os meios de subsistência de uma população, como a agricultura ou a pesca, a necessidade de deslocamento para outras terras traz uma sobrecarga ainda maior à saúde mental desses indivíduos.

Mais recentemente, a avaliação da delicada relação entre as pessoas e seu meio ambiente deu origem a novos conceitos em saúde mental, como a eco-ansiedade e a solastalgia. A eco-ansiedade engloba os sentimentos de estresse e apreensão decorrentes da antecipação de futuras mudanças ambientais ou da sensação de perda associada à degradação ecológica contínua. Crianças, adolescentes e indivíduos cujos meios de subsistência estão intimamente ligados à terra experimentam maior vulnerabilidade.

Já a solastalgia afeta populações cujas raízes culturais têm uma conexão maior com o meio ambiente, como os povos indígenas. Nesse caso, uma localidade específica está ligada a um sentimento de pertencimento e identidade da pessoa, e isso fica abalado diante da degradação do local, gerando intensa angústia. A elevada taxa de suicídio entre povos originários do Brasil deslocados de suas terras chama a atenção para essa questão. Segundo estudo publicado recentemente pela Fiocruz, essa taxa chega a ser quase 10 vezes maior entre indígenas, em comparação à população geral do país.

Esses dados nos levam a refletir sobre a influência do aumento das temperaturas na saúde mental e ressaltam a importância de se incluir esse tema na agenda do aquecimento global. Da mesma forma, profissionais de saúde, pesquisadores e agentes públicos precisam estar atentos para os efeitos psicológicos e psiquiátricos dos extremos climáticos. Entretanto, essa questão ainda recebe pouca ou nenhuma atenção nesses contextos ou é analisada de forma geograficamente isolada, sem que se perceba a importância de ações internacionais como parte da causa e resposta a esses problemas.

Diante disso, neste sábado, a Universidade de Brasília (UnB) realizará o Simpósio de Geopsiquiatria, evento voltado a discutir aspectos políticos e culturais que afetam a nossa saúde mental, abrangendo as mudanças climáticas. A programação inclui palestras com o professor emérito do King's College de Londres, Albert Persaud, e outros especialistas na área, além de atuações dos alunos de Artes Cênicas da UnB. Eles irão encenar situações cotidianas que ilustram a interação entre saúde mental e os temas discutidos pelos palestrantes.

Os efeitos dos extremos de temperatura sobre o corpo humano já são bem conhecidos e preocupantes. Agora é o momento de olharmos para os seus efeitos sobre a saúde mental. Estamos em desvantagem com o tempo, atmosférico e cronológico, mas ainda há muito o que podemos fazer para que essa onda não leve a nossa saúde: física e mental.

* Helena Moura é professora da Faculdade de Medicina da UnB e membro do grupo de Geopsiquiatria da Associação Mundial de Psiquiatria

 

 

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