Conforme levantamento realizado por Malamud e Castellano, no trabalho Claves Electorales en América Latina 2023, publicado pelo Real Instituto El Cano, desde 2018, na América Latina, somente uma vez, e no vizinho Paraguai, a situação conseguiu vencer eleições democráticas. Estar sentado na cadeira do poder já não significa vantagem preponderante em próximas disputas eleitorais.
Domingo passado, a máxima se confirmou na Argentina com a vitória acachapante de Javier Milei, um outsider maniático que ainda precisa dizer a que veio, sobre Sergio Massa, peronista de carteirinha ligado ao arcaico kirchnerismo.
Analistas acreditam que a ciclotimia "situação versus oposição versus situação" se deve ao engessamento das posições ideológicas da esquerda e da direita, e a impossibilidade de formar-se um bloco que possa reunir as propostas aparentemente divergentes, filtrando os pontos de toque para suplantar a díade.
Independentemente das causas, o retrato da eleição argentina revela uma insatisfação crescente da sociedade com o padrão repetitivo de ação política de prometer sem entregar, ou entregar e cobrar juros de agiota sobre o bem-estar da população.
O eleitor já não avalia com base em sua razão e, rotineiramente, se deixa tomar pela emoção induzida por opiniões nem sempre sustentadas. O ato de votar é como a parábola dos talentos. Ele entrega moedas de confiança a seu escolhido e lhe pede que as administre. Espera que, após o período de governança, esses escolhidos devolvam em dobro os talentos, com melhoria das condições socioeconômicas, de segurança pública, culturais entre outros anseios.
Infelizmente, a maioria dessas lideranças enterra seus talentos e, quando cobradas, se desculpa pelo insucesso apontando como causas de sua incompetência outras pessoas ou fatores externos. A razão primacial para essa situação na América Latina é a falta de lideranças preparadas, comprometidas e resilientes. Lideranças que se apercebam das exigências atemporais para governar e distingam entre os elementos da realidade aqueles que contribuam para um futuro sustentável.
Em seu recente livro, Liderança — Seis estudos estratégicos, Henry Kissinger bosquejou sobre as vidas de Konrad Adenauer, Charles De Gaulle, Richard Nixon, Anwar Sadat, Lee Kuan Yew e Margaret Thatcher. Cada um desses personagens da história moderna tinha características de liderar próprias, mas, em comum, a capacidade de avaliar de maneira real a sociedade em que viveram.
Adenauer combateu as sequelas do nazismo pós-segunda Guerra Mundial. De Gaulle salvou a França do ostracismo diante das potências mundiais vencedoras da guerra. Nixon abriu os canais para normalização das relações com a China. Sadat enfrentou os árabes para buscar paz com israelenses. Kuan Yew soube amalgamar raças distintas para construção de uma Cingapura moderna. Thatcher agiu com firmeza diante da perda do status da Inglaterra de senhora do mundo, equilibrando economia e soberania.
Segundo Kissinger, bons líderes devem despertar no povo o desejo de caminhar a seu lado. Além disso, devem inspirar um círculo de pessoas próximas a traduzir o seu pensamento de modo a influenciar as questões práticas.
O líder, quando ungido, não tem lado, não tem coloração. Tem por dever o propósito de bem servir a todos. O líder, quando ungido, não pode se intitular onisciente, onipresente e onipotente. Deve acreditar na equipe e estimulá-la inclusive a dele divergir.
Para liderar tem que conhecer. Claramente, há nos gestores de governo uma lacuna de conhecimento com poucos líderes estudiosos efetivos dos problemas da humanidade.
Em 1953, Churchill foi questionado por um aluno durante apresentação em um seminário universitário como preparar-se para ser líder, ao que ele respondeu: "Estudem história. Estudem história".
Vivemos um período de transição, mesmo que velhos homens e obsoletos conceitos ainda se imponham sobre as sociedades em geral. Quando valores e instituições perdem relevância e o futuro se torna ainda mais nublado — creio ser essa a fotografia de momento —, sentimos a necessidade de seguirmos um líder que nos ampare. Infelizmente, quando ele nos falta, o peso da realidade sobre a nossa sobrevivência nos força a escolhas irrefletidas e, algumas vezes, temerárias.
Não há luz no fim do túnel sem lideranças conscientes do papel de aglutinadores de esperanças e bálsamos contra frustrações em um mundo marcado por polarização, fragmentação e governança complexa.
O nosso entorno geográfico é um bom exemplo. Fiquemos espertos.
* Otávio Santana do Rêgo Barros é general da reserva. Foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército