Consciência Negra

Artigo: A cor preta no arco-íris

Se no Brasil ainda é um desafio ser homossexual ou ser negro, dá para imaginar como é ser os dois e conviver com uma batalha dupla de adequação e aceitação

Na sigla LGBTQIAPN+, a letra N se refere às pessoas não-binárias. Porém, além de encampar os indivíduos que não se encaixam em nenhum gênero, a categoria também poderia perfeitamente representar os negros. Dentro de um contexto de preconceito, diversidade e resistência, não dá para falar de consciência negra sem propor esse recorte importante. Se no Brasil ainda é um desafio ser homossexual ou ser negro, dá para imaginar como é ser os dois e conviver com uma batalha dupla de adequação e aceitação.

Pesquisas realizadas em plena pandemia apontaram que jovens negros tinham o dobro de riscos de desenvolver depressão que brancos. Entre homossexuais, a probabilidade de cometer suicídio era cinco vezes maior comparada a alguém heterossexual. Se fizermos o cruzamento, é possível perceber o cenário em que um gay preto ou pardo se encontra. E tal estatística não se consolida de forma isolada e episódica. De acordo com levantamento encabeçado pela Fiocruz, metade das notificações de violência contra a população LGBTQIAPN+ brasileira teve pessoas não-brancas como alvo.

Vencedora da primeira edição brasileira do reality show Drage Race — da franquia RuPaul, uma febre mundial —, a drag queen carioca Organzza, personagem por trás de Vinícius Andrade, emocionou colegas, jurados e público ao relatar a emoção da vitória no programa. Por ser uma pessoa LGBTQIAPN+ preta e periférica sendo coroada no Brasil, celebrou com alegria e dor a consagração da sua jornada, que representa a de tantos outros indivíduos que sofrem na pele o horror diário. E isso pela crueldade daqueles que julgam que, juntas, a cor da pele e a sexualidade duplicam o sentimento de invalidação desses seres humanos.

O discurso de Organzza aponta para o fato de que ser um homossexual branco pode colocar, ainda que de forma distorcida, a prática homofóbica em um nível "mais suave". E isso é forte, porque assinala uma realidade que não é tão mascarada assim.

Se por um lado existe a agressão física à qual os gays negros — em especial os periféricos — estão sujeitos com maior frequência, há a hipersexualização que, embora de forma sutil e disfarçada de fetiche, coloca os indivíduos com a pele mais escura em um lugar de desumanização. Costume histórico, com origem na escravatura, onde o preto tinha valor pelos seus dotes físicos e, invalidado como gente, poderia ser depreciado por violências. E é importante pontuar que o sexo pode ser uma forma de violência, mesmo quando consentido. Não é raro ouvir, dentro da própria comunidade que deveria ser inclusiva, que um corpo negro é bom para sexo. E só.

No arco-íris, símbolo da diversidade, branco e preto não se diferenciam. Até porque não estão lá de forma visível. É curioso analisar que a cor branca é a união de todas as cores, mas a preta é a ausência delas. Na vida real, não tem que ser assim. Ao contrário: neste 20 de novembro, é importante que se olhe com maior carinho também a população que, por natureza, faz a bandeira LGBTQIAPN+ se tornar ainda mais potente.

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