Eleições

Visão do Correio: A escolha dos argentinos

Todas as pesquisas de intenções de votos apontam que qualquer dos dois candidatos — Sergio Massa, de centro-esquerda, e Javier Milei, da direita radical — pode sair vitorioso

Os argentinos vão às urnas neste domingo em meio a um grande suspense. Nunca o país chegou a um pleito presidencial tão dividido como agora. Todas as pesquisas de intenções de votos apontam que qualquer dos dois candidatos — Sergio Massa, de centro-esquerda, e Javier Milei, da direita radical — pode sair vitorioso com uma pequena margem de diferença em relação ao oponente. A indefinição é tamanha que a economia argentina, com inflação anual de 143%, praticamente parou à espera da decisão dos eleitores.

A Argentina está em crise há mais de duas décadas. Sucessivos planos econômicos fracassados empurraram o país para um buraco que parece não ter fundo. Políticas econômicas ineficientes e escolhas erradas nas urnas contribuíram para o caos que levou a nação vizinha a ostentar a triste estatística de ter mais de 40% da população na pobreza. Os programas sociais adotados ao longo dos últimos anos não foram suficientes para fazer frente à escalada dos preços. Os mais ricos abandonaram a moeda local, o peso, e buscaram proteção no dólar.

Em meio a esse tormento sem fim, o ultradireitista Milei conseguiu aglutinar apoio das camadas mais desfavorecidas, dos jovens e, sobretudo, da elite argentina. Com um discurso de rompimento com tudo o que está estabelecido, promete acabar com o Banco Central, romper com Brasil e China, os dois principais parceiros comerciais da Argentina, sair do Mercosul, dolarizar a economia e promover um enxugamento sem precedentes do Estado, com o fim de todos os subsídios e programas sociais.

Massa, por sua vez, é o atual ministro da Economia de um governo sem qualquer representatividade. Há um ano e meio no posto, vem pregando que pode promover os ajustes necessários na economia para conter a inflação, ampliar as exportações, atrair investimentos estrangeiros e dar um novo alento ao povo tão sofrido. Nos pronunciamentos mais recentes, tem assegurado que, com o fim da seca que devastou o agronegócio, o país voltará a ser um dos celeiros do mundo, criando empregos e distribuindo renda.

Para que lado penderá a maioria dos eleitores só se saberá depois de abertas as urnas. O certo é que o risco de uma radicalização, seja quem for o vencedor, pode levar a Argentina a conviver com fenômenos muito parecidos com os vistos no Brasil. Nas últimas semanas, Milei e seguidores mais fanáticos passaram a questionar a seriedade do sistema eleitoral argentino. Ele afirma que foi roubado nas primárias que o definiram como candidato e no primeiro turno da disputa presidencial. O argumento está pronto para ser usado em caso de derrota.

Por mais que os argentinos estejam insatisfeitos com os rumos da economia, o desemprego e a inflação aviltante, é preciso que saibam preservar a democracia conquistada a tanto custo, depois de um longo e sangrento período ditatorial. Não pode haver espaço para que radicais tentem atacar os pilares democráticos, como ocorreu nos Estados Unidos, com a invasão ao Capitólio, e no Brasil, com a destruição das sedes dos Três Poderes. As duas maiores democracias das Américas foram abaladas e os riscos de destruição continuam presentes.

Escolhas à direita ou à esquerda não significam a usurpação do direito mais sagrado dos eleitores, que é o voto. O poder de escolha previsto na Constituição argentina deve se sobrepor a qualquer tentativa de minar o sistema político em vigor que, se não é perfeito, é o que garante a alternância de poder e permite à sociedade decidir seu futuro. O mundo, sabe-se, vive um momento complexo. Há, hoje, mais autocracias e regimes autoritários do que democracias. A Argentina certamente sabe em que direção pretende ir. Mas qualquer descuido pode resultar num caminho sem retorno. Todo poder neste domingo está com os eleitores.


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