Diplomacia

Artigo: Além da Taprobana

Neste momento de conflitos bárbaros ocorrendo na Europa e no Oriente Médio, a diplomacia brasileira com seu soft-power, cuja melhor tradução seria a boa conversa, conseguiu ir além da Taprobana atual

O Natal já chegou no comércio e nas preocupações de pais ou mães obrigados a dar presentes para filhos e netos. Isso significa também que o primeiro ano da administração Lula está perto de se encerrar. E, até agora, não se conhece os objetivos governamentais. O Plano de Aceleração do Crescimento, famoso PAC, herança do governo Dilma Rousseff, é uma tentativa, porque relaciona obras que o governo, com auxílio da iniciativa privada, pretende realizar. Não constitui um programa de metas, mas de possíveis construções se todos os fatores forem favoráveis à sua execução.

O presidente Lula iniciou sua terceira passagem pelo Palácio do Planalto com muita fome para realizar política externa. Frequentou todos os cenários possíveis. De Pequim a Nova Iorque, passando por diversos países da Europa, da Ásia e do Oriente Médio. Além das reuniões bilaterais e multilaterais. Dedicou-se mais às relações exteriores que à política interna. Não foi um erro, porque o presidente anterior procedeu de maneira inversa. Conseguiu indispor o Brasil com os principais parceiros comerciais. E foi uma nulidade no plano externo.

O ministro Mauro Vieira falou de público sobre o fracasso do Conselho de Segurança da ONU, que não conseguiu sequer propor um breve cessar-fogo no conflito entre Israel e o grupo Hamas, chamado de terrorista. A guerra continua na Palestina, Israel com licença para matar crianças, jovens, velhos, mulheres e civis que nada têm a ver com o conflito, e prossegue na Ucrânia por intermédio dos sonhos de Putin para reconstruir a Grande Rússia. Os vendedores de armas estão vivendo momentos gloriosos, realizando lucros jamais imaginados. E os promotores da paz sofrem profunda decepção com os organismos multilaterais.

Parece que o fim de um ciclo está se impondo, lenta e concretamente, no teatro das relações internacionais. Xi Jinping se encontrou, semana passada, com Joe Biden numa luxuosa mansão nas proximidades de San Francisco, na Califórnia. Eles conversaram durante cinco horas, os primeiros minutos em público. O resto do tempo em particular, com auxílio de intérprete e um encarregado de tomar notas para posterior construção do documento. Falaram sobre manter relações de alto nível entre as forças militares, comércio e diversos assuntos previamente pautados. Ao final, o chinês, fleugmático, disse que a Terra é grande o suficiente para a vida dos dois países. Significa que eles dividiram o planeta, e cada um ficará com seu pedaço. Sem guerra. Mas com as agressões toleráveis.

Ao que parece, é o começo de um novo ciclo. A China tem o poder de, por meio de sua diplomacia, reduzir ou até acabar com o conflito na Ucrânia. Os Estados Unidos têm a capacidade de alcançar algum tipo de trégua na Palestina se conseguir afastar os radicais dos dois lados. Se isso for alcançado, o mundo entrará em um novo momento das relações internacionais.

Todo o comércio e a maneira de viver nos últimos séculos, desde a Revolução Industrial, teve a Europa como modelo. O que está em processo, neste momento, é a lenta migração do centro do mundo dos negócios do modelo europeu para o asiático. Do Atlântico para o Pacífico. Dos Estados Unidos para a Ásia, China e países próximos, incluindo a Índia. Se os dois grupos conseguirem viver em paz nos próximos tempos, o mundo conhecerá um novo ciclo de desenvolvimento. Mas é uma transição lenta, cuidadosa, cheia de esquinas perigosas e armadilhas mortais, montadas para desacreditar os opostos.

Neste momento de conflitos bárbaros ocorrendo na Europa e no Oriente Médio, a diplomacia brasileira com seu soft-power, cuja melhor tradução seria a boa conversa, conseguiu ir além da Taprobana atual. Tirou os brasileiros da área de conflito e conseguiu, depois de muita lábia, resgatar de dentro da Faixa de Gaza brasileiros que remanesciam no teatro da guerra. Mas nas Nações Unidas ganhou um veto dos Estados Unidos, soco abaixo da cintura, que traçou o limite de atuação de país emergente. O problema de Israel é do governo norte-americano, embora seja também um assunto europeu. Israel foi criado por judeus do mudo inteiro e, principalmente, pelos que fugiram da Europa depois da perseguição dos nazistas, com auxílio do Haganá, antecessor do Mossad.

Os diplomatas brasileiros estão na linha de frente de todos esses conflitos. As intervenções de Lula na Ucrânia não foram bem-sucedidas. Ele não conseguiu boa repercussão quando falou da guerra na Palestina. O acordo do Mercosul com a União Europeia não foi assinado. O resultado da política interna é razoável. E da política externa, apesar do notável esforço, também não ofereceu resultados positivos além da retirada dos refugiados. Ao que parece, está de volta a lei do mais forte. E cada um no seu pedaço.

*André Gustavo Stumpf, Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

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