De acordo com o IBGE, as mulheres são a maioria da população brasileira: 51,1%, tendo uma representação ainda maior das mulheres negras. Entretanto, mesmo diante de uma estatística tão contundente, as mulheres negras são as que mais sofrem no mercado de trabalho por problemas que instauram a nossa sociedade desde séculos atrás: o machismo, a desigualdade de gênero e o racismo.
As mulheres sempre vieram de uma trajetória de submissão, em que foram criadas, em sua esmagadora maioria, para serem donas de casa ou empregadas domésticas. E isso não mudou muito, principalmente para as negras, pois, apesar da luta das mulheres por direito a voto, ao divórico, por acesso à educação, representatividade política e igualdade no local de trabalho, a exclusão ainda se encontra bem presente.
Ademais, as mulheres negras têm maior desvantagem no mundo do trabalho — um levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) com dados de 2019 a 2022 demonstra que elas são as mais prejudicadas em relação ao desemprego. Ou seja, muitas não recebem oportunidades e, quando as recebem, são para laborar como domésticas, sendo humilhadas, exploradas e, muitas vezes, tendo seus direitos usurpados.
Em cargos de destaque e liderança, ainda é mais perceptível a disparidade, pois, além dos requisitos para a concorrência das vagas serem maiores que os impostos aos homens, elas lidam com o racismo, o assédio, a sobrecarga de trabalho, a humilhação e a má remuneração, o que, a todo momento, direciona muitas a desistirem de continuar no cargo. Para muitos homens, os requisitos são flexibilizados. Para elas, não. Não se pode deixar de mencionar o fator remuneração, que, na maioria das vezes, trata-se de um valor totalmente discrepante entre os homens e as mulheres, mesmo que desempenhem as mesmas funções e atividades. Tanto que, em uma observação sobre o cotidiano corporativo, ao presenciar uma reunião de trabalho com gestores de uma organização, em vários espaços, não existe a presença de uma mulher negra.
Todavia, as mulheres passaram a buscar outros meios de ir em busca dos seus sonhos, de melhorarem de vida e de demonstrarem o seu potencial em papel de destaque. E tudo isso reverberou com o fomento do empreendedorismo, que proporcionou mais incentivo e oportunidade para as pessoas e, principalmente, para as mulheres negras, que tiveram força para quebrar paradigmas. O empreendedor é aquele que usa da sua inteligência, sua capacidade de trabalho e sua criatividade para se conceder a oportunidade de ter um negócio, de ter a possibilidade de conceder maiores chances para outras pessoas que passaram pelas mesmas situações, e de assumir a liderança da sua vida profissional.
E, com isso, as mulheres passaram a ter mais visibilidade no mercado de trabalho, sendo o empreendedorismo feminino, de certa forma, uma libertação, um refúgio. Se antes elas precisavam que empresas as contratassem para obter uma renda, cada vez mais podem abrir o próprio negócio e administrar a vida profissional e financeira. Para as mulheres negras, a dimensão foi ainda maior, pois, com a dificuldade de conseguir um trabalho em grandes empresas mesmo tendo boa escolaridade e grandes títulos — já que ainda prevalece o pensamento de que elas servem somente para realizar serviços de limpeza, de cozinha ou até de babá —, não são dadas outras oportunidades. Servindo, então, o empreendedorismo como uma perfeita válvula de escape.
Em uma pesquisa realizada pelo Instituto Rede Mulheres Empreendedoras (Irme) em 2022, ficou comprovado que a maioria das empreendedoras são negras (60%), mães (73%) e da classe C (50%). Assim, como não dizer que o empreendedorismo serviu como uma solução para a população feminina negra? Pois, apesar das dificuldades que muitas passaram, e ainda passam, para conseguirem ser empreendedoras de grande porte e alcançarem o seu êxito, elas ainda são maioria e lutam, todos os dias, para quebrar essas barreiras e conquistarem os seus sonhos.
* Tamires Borges é advogada e secretária-geral da Associação Obinrin Badu