Visão do Correio

O Brasil no caminho da desglobalização

Organização Mundial do Comércio (OMC) advertiu que as tensões geopolíticas começam a impactar nos fluxos comerciais comerciais em todo o mundo

Desde o início da década, o comércio global vive uma era de incertezas. A pandemia de covid-19 foi o primeiro e mais duro golpe na economia mundial, levando a uma recessão generalizada e provocando crises que ainda não foram superadas. Na sequência, quando o mundo mal começava a vida pós-pandemia, a guerra entre Ucrânia e Rússia — que levou o país de Vladimir Putin a ser severamente punido em termos econômicos pelo resto do planeta —, também deu sua parcela de contribuição para a desorganização das cadeias produtivas globais.

Soma-se o atual conflito entre Israel e o Hamas, na Faixa de Gaza, que rachou de modo irreparável a diplomacia mundial, e as disputas comerciais entre a China — que ainda sofre as consequências de sua política severa de isolamento social na pandemia — e os Estados Unidos, que levaram a uma redução no fluxo bilateral entre os dois países, e está quase pronta a tempestade perfeita para uma desconexão geral dos mercados, que vem sendo chamada de desglobalização. Não por acaso, a Organização Mundial do Comércio (OMC) advertiu, recentemente, que as tensões geopolíticas estão começando a ter impacto nos fluxos comerciais em todo o mundo, com uma onda de protecionismo que ameaça a interconexão estabelecida ao longo das últimas décadas.

Empresas e países, diante desse panorama, têm sido forçados a repensar suas estratégias globais, e investimentos estão sendo paralisados ou revistos. A dependência excessiva das cadeias de suprimentos globais, que se consolidaram desde os anos 1980, agora estão sendo vistas com desconfiança e temor. A vulnerabilidade revelada pela pandemia de covid-19 já havia alertado para os riscos da interdependência entre os mercados.

Um novo fator pode levar o mundo a ampliar ainda mais a sua fragmentação: uma eventual eleição de Donald Trump nos EUA em 2024. O ex-presidente norte-americano é o nome mais forte dos republicanos para concorrer com o atual mandatário, o democrata Joe Biden, e foi um dos responsáveis por acirrar a disputa entre os Estados Unidos e a China. Também está na conta dos quatros anos do primeiro mandato de Trump um recolhimento de Washington para suas questões internas, deixando de lado questões mundiais e aliados históricos, como o Canadá e a França, e contribuindo de modo severo para a desaceleração da globalização.

Nesse contexto, é possível que essa retração se revele como uma oportunidade para o Brasil, um dos países mais protecionistas e isolados economicamente do resto do mundo. À medida que a desglobalização se aprofundar e os países passarem a buscar caminhos bilaterais para seus mercados, o Brasil — seja sozinho, seja em bloco, com o Mercosul — poderá se conectar com novos parceiros e aprofundar a relação com os antigos, como China e EUA. É claro que tal circunstância só será devidamente aproveitada se o país começar a, finalmente, promover uma revisão profunda de suas barreiras alfandegárias, que mantêm a economia brasileira extremamente voltada para o mercado interno e alheia ao resto do mundo.

É inegável, portanto, que o comércio global enfrenta uma encruzilhada. O desafio para os líderes globais, inclusive os brasileiros, diante do momento atual, é encontrar um equilíbrio entre a busca por interesses nacionais legítimos e a promoção de um mundo mais cooperativo e interconectado. A desglobalização não pode ser um pretexto para a adoção do isolacionismo e de novas medidas protecionistas, mas sim uma oportunidade para a colaboração multilateral que, mesmo em um ambiente menos globalizado, torna-se crucial para enfrentar desafios como mudanças climáticas, pandemias e migrações em larga escala.

 


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