Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça promoveu seminário sobre o tema deste artigo, que contou com a participação de autoridades, especialistas, notários, registradores, advogados e outros interessados na matéria. A ideia é colocar na pauta o aprimoramento da participação dos cartórios extrajudiciais no sistema de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa — também chamado sistema PLD/FTP.
A Lei n. 9.613/1998 apontou, em seu art. 9º, as atividades sujeitas à implementação dos mecanismos de controle no âmbito do sistema PLD/FTP, com foco, em sua redação original, naquelas de natureza financeira, a exemplo de bancos, corretoras de valores, financeiras, entre outras. Com edição da Lei nº 12.683/2012, as atividades não financeiras — entre as quais as que realizam os cartórios extrajudiciais- foram inseridas no sistema PLD/FTP e passaram a se sujeitar às obrigações constantes no referido diploma legal.
Cumprindo a determinação legislativa, e em observância às Recomendações nº 22 e nº 23, do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi) e à Ação nº 12/2019 da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), a Corregedoria Nacional de Justiça publicou o Provimento nº 88/2019, que dispôs sobre a política, os procedimentos e os controles a serem adotados pelos notários e registradores visando à prevenção aos crimes de lavagem de dinheiro.
A importância da inserção desse segmento no sistema não demorou a aparecer, e já nos primeiros meses da vigência do então Provimento n. 88/2019 - de 03/02/2020 a 05/12/2021 —, foram recebidas 2.701.280 comunicações de notários e registradores no Sistema de Controle de Atividades Financeiras (Siscoaf). Essas comunicações representaram 21% do total de comunicações recebidas no período, tornando-o o segundo segmento em quantidade de comunicações enviadas, ficando atrás apenas do sistema financeiro.
Como se pôde verificar durante o seminário realizado, o estreitamento da relação dos órgãos de controle e repressão à lavagem de dinheiro com os serviços notariais e de registro tem trazido grandes benefícios para a efetividade do combate aos ilícitos, especialmente ao crime organizado, bem como para a segurança e para a higidez dos atos e negócios jurídicos, com inequívocos reflexos sociais, econômicos e de segurança pública.
Não obstante, identificou-se que, apesar do grande volume de comunicações, apenas cerca de 1% das informações recebidas dos cartórios extrajudiciais fizeram parte de análises em Relatórios de Inteligência Financeira — RIFs, percentual muito inferior a outros segmentos obrigados, como os bancos.
Deficiências como a ausência de detalhamento da suspeição identificada, falhas na identificação dos envolvidos e incompreensão do comando regulamentar foram apontadas como predominantes nas comunicações recebidas, limitando sua utilidade para fins de inteligência financeira e criminal.
Dessa forma, vislumbra-se a possibilidade de aperfeiçoamento da normativa expedida em 2019, atualmente incorporada ao Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça, por força do Provimento n. 149/2023, sobretudo em relação aos dispositivos que tratam das hipóteses de comunicação automática, ou seja, aquelas que independem de análise ou de qualquer outra consideração por parte dos notários e registradores, de modo a melhorar o conteúdo das comunicações recebidas do segmento através do SisCoaf.
Além disso, em parceria com as entidades representativas do segmento, serão avaliadas alternativas de capacitação e orientação dos responsáveis pelo envio de informações à Unidade de Inteligência Financeira (UIF), com o intuito de evitar que os serviços extrajudiciais brasileiros sejam utilizados por criminosos para dar aparência de legalidade a atos de corrupção, de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo.
Objetiva-se, assim, conferir maior qualidade às comunicações enviadas ao Coaf e, com isso, garantir o sucesso na identificação e prevenção de atividades criminosas. Desta forma, restará assegurada a importância da atuação de notários e registradores no sistema brasileiro de PLD/FTP, em prol da sociedade brasileira, contribuindo, ainda, para a formação de um ambiente de negócios favorável à atração de investimentos e ao impulsionamento da economia do país.
Luís Felipe Salomão - ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e corregedor nacional de Justiça Liz Resende de Andrade, juíza auxiliar da Corregedoria Nacional