INSS

Democracia e transparência na gestão da Previdência Social

Seria, pois, necessário que o CNPS explicasse como conseguiu, em poucos dias, promover a redução de despesas para o ano que vem da expressiva cifra de R$ 12,5 bilhões

O Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) é o órgão incumbido de operar a democracia e a transparência na gestão da Previdência Social. Não é uma missão de seus membros e sim um dever constitucional. Seria, pois, necessário que o CNPS explicasse como conseguiu, em poucos dias, promover a redução de despesas para o ano que vem da expressiva cifra de R$ 12,5 bilhões. Sem embargo dos esforços gigantescos que estão sendo realizados pelo INSS, cujo presidente é do ramo, a fila não anda. E a fila gerará, se andar, quase um milhão e setecentos benefícios a mais.

Mais benefícios, mais despesas… O INSS pagará, no ano que vem, R$ 897,7 bilhões. Se quiser, veja quanto isso representa por dia, por hora, por mês. Um bom exercício para quem acha que o INSS nega tudo para todos os que batem na sua porta. Ah, é verdade. Alguém disse que a redução será decorrente da revisão de benefícios. Como assim? O INSS consegue errar tanto ou tem sido, como disse certo autor há mais de 40 anos, "o reino das fraudes"?

Os julgados do Tribunal de Contas da União que têm cobrado a revisão dos benefícios apontam para a metade do corte que o CNPS acaba de fazer. É um colegiado muito mais otimista que aquele que entende formalmente de contas. E se trata de mera argumentação retórica. O TCU não dispõe de dados para quantificar possíveis irregularidades. Se soubesse que o benefício de Caio ou de Flávia não é devido, já teria mandado cortar.

Sem querer ser pessimista, duvido muito de números tão pomposos. Muitas vezes, são cassados benefícios devidos, que o Poder Judiciário ordena que sejam restabelecidos. De todo modo, a principal causa das deficiências de funcionamento da Previdência Social são sobejamente conhecidas. E já as apontei diversas vezes.

Veja-se que a Lei nº 8.213, que cuida da organização da Seguridade Social, ordenava a modernização do setor. Estamos falando de 1991. Sabem o que se fez com essa parte da lei? Foi revogada! E o cadastro? Sem cadastro, não há controle. Sem modernização, não há revisão que possa vingar. Será que o cadastro único do SUS, cujo trabalho meritório durante a pandemia deve ser aplaudido sempre, registrou uma a uma todas as pessoas que receberam as vacinas? Houve alguma tentativa de sincronizar os dados desse cadastro com os do INSS?

Que tal começarmos a discutir esse temário a sério, antes que tudo seja pretexto para uma nova reforma redutora de benefícios? Hoje, a pessoa nasce e é enquadrada como integrante do cadastro de pessoas físicas, dimensão econômica da realidade. Por que não se opera igualmente com o cadastro único do social?

A maioria dos beneficiários do INSS recebe prestações no valor de um salário-mínimo. Todos são titulares de um direito subjetivo. O Estado não faz nenhum favor a eles, nem lhes deu qualquer coisa. O benefício foi custeado pelos trabalhadores e pelas empresas.

Falar-se, pois, em revisão de benefícios como se fosse algo temível é estranho. Quem tem direito deve receber. E se houve algo indevido, que se verifique, mediante procedimento apropriado, o ocorrido. Não para que seja cancelada sumariamente a prestação. Se não for devida, há de ser cancelada, e, se alguém concedeu sem base, deve responder pelo ocorrido. Em suma, revisão não é medida de economia e sim de justiça social.

De todo modo, algo não soa bem com essa abrupta tesourada no orçamento. A máquina administrativa da Previdência Social sempre foi caracterizada por quadros de excelência, inclusive deu ao país uma estrutura modelar. Ultimamente, porém, com a ausência de reposição dos quadros, em razão das aposentadorias e dos desligamentos, falta pessoal para tocar a instituição. A fila dos benefícios é um sintoma, sim. Grave, mas não o único.

É hora de se promover debate sério sobre a melhor utilização do que se pretende cortar do orçamento sem a cabal, devida e consistente explicação de motivos e razões, e sem que se apontem as falhas estruturais que poderiam, e deveriam, ser corrigidas com recursos necessários e suficientes.

Ademais, e adentrando em outras duas linhas de consideração, é necessário que seja reinstalado o Conselho Nacional de Seguridade Social, criado pela Lei nº 8.212, de 1991, e estranhamente suprimido pela Medida Provisória nº 1.799, de 1999. O Supremo Tribunal Federal, na ADI 2.065, cujo julgamento foi publicado em 2004, preferiu se omitir sobre o tema de tão alta relevância. Esse seria o foro adequado para o debate dos recursos devidos ao sistema e do controle da respectiva destinação.

É igualmente necessário que o Plano de Custeio da Seguridade Social contemple, com rigor, todo o montante necessário ao cabal e integral atendimento (art. 198, da Constituição) dos direitos estabelecidos pela Ordem Social Constitucional (título VIII). Saúde, previdência e assistência configuram, em nosso país, o catálogo essencial dos direitos humanos sociais consagrados pela Declaração de Direitos Humanos de 1948, subscrita pelo Brasil. É hora de cumpri-los sem desculpas de falta de verbas!

*Professor de direito previdenciário da PUC-SP e autor de mais de 50 livros em direito previdenciário

 

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