São muitos os desafios hoje do país. Alguns são velhos conhecidos. Baixos crescimento e produtividade, envelhecimento da população, desempenho educacional medíocre, alta desigualdade regional e socioeconômica. Somos ainda mais desiguais quando se leva em consideração gênero e raça. Some-se a isso o tema da mudança climática e o desafio do desenvolvimento em bases sustentáveis. Como o governo federal pode reverter essa rota?
O Plano Plurianual (PPA) atual traz o mapa da mudança. Ele é o plano de médio prazo previsto na Constituição brasileira e prevê diretrizes, objetivos, metas e programas para o período de quatro anos. Faz parte do ciclo orçamentário, onde se ancora a Lei Orçamentária Anual. Um plano não resolve os problemas do país, mas sem um plano o foco nos incêndios não permite a superação do atraso, como diria o velho Darcy Ribeiro. Além disso, não substitui um plano de longo prazo, já que os grandes desafios levam mais de um governo para se resolver. No entanto, se bem usado, é peça central para o desenvolvimento.
Para se ter uma ideia, o PPA 2024-2027, que ora se encontra no Congresso, corresponde a R$ 13,3 trilhões em quatro anos, destinados a programas finalísticos. R$ 8,9 trilhões dizem respeito a alocações orçamentárias; 3,9 trilhões são ações não orçamentárias (subsídios creditícios, tributários e crédito), e 566 bilhões são investimentos de estatais.
Mas alocação orçamentária sem estratégia pode significar mais do mesmo, ou ineficiência das políticas públicas. Por isso, para planejar, fizemos parcerias relevantes com Ipea, Enap, BID e CAF para robustecer nossa metodologia e alavancar resultados a partir da elaboração do plano. Falarei aqui de três grandes inovações. A primeira foi elaborar e incluir na minuta da lei uma estratégia robusta, com diagnóstico de problemas e propostas para atacá-los. Trabalhamos com dezenas de documentos nacionais e internacionais, como o plano de governo, Global Trends OCDE, dentre outros. Geramos a visão 2027 — "um país democrático, justo, desenvolvido e ambientalmente sustentável, onde todas as pessoas vivam com qualidade, dignidade e respeito às diversidades" —, com valores, diretrizes, eixos, objetivos estratégicos. Cada programa contribui para pelo menos um objetivo, o que dá clareza aos gastos. Os 88 programas e seu detalhamento foram desenvolvidos por mais de 4.400 servidores, em mais de 125 oficinas, em 716, na Enap.
A segunda inovação foi adotar, de fato, modelo lógico e com foco em resultado. Não há objetivo ou entrega sem métrica. Adotamos 69 indicadores-chave nacionais, os KNI (key national indicators), usados para medir o bem-estar e o progresso em pelo menos 18 países. No nível tático, intensificamos o uso de indicadores de desempenho, ou KPI (key performance indicators). No gerencial, há entregas e medidas institucionais para melhoria de ambiente de negócios e de gestão. Foram elencadas seis prioridades, que englobam combate à fome, educação e saúde básica, neoindustrialização, Novo PAC e enfrentamento às mudanças climáticas. O uso de indicadores e prioridades claras significam caminho pavimentado para monitoramento e avaliação constantes, com vistas à melhoria da qualidade dos gastos, que poderão ainda ser feitos por temas transversais, que incluem as agendas de gênero, igualdade racial, povos indígenas, criança e adolescente e ambiental.
A terceira inovação foi adotar a participação como pilar fundamental do planejamento. Foram mais de 4 milhões de acessos à plataforma digital, com 1,4 milhões de votos em programas e cerca de 8,8 mil novas propostas. Ocorreram plenárias nas 27 capitais do país e reuniões do Interconselhos. A legitimidade da participação popular fortalece o processo técnico de produção de políticas. E um monitoramento participativo, inclusivo, com sociedade civil, setor produtivo e academia será essencial para o atingimento de melhores resultados.
E quais seriam esses resultados esperados? Alguns exemplos são maior crescimento do PIB e atração de investimentos, redução da taxa de desemprego, aumento da renda per capita e redução das desigualdades de renda entre mais ricos e pobres e entre regiões; outros se traduzem na redução do desmatamento, redução de emissão de gases efeito estufa, melhoria no desempenho de Ideb em todos os níveis, maior cobertura de atendimento por creches, queda na mortalidade infantil, queda na taxa de feminicídio e homicídios, especialmente de jovens negros; outros, ainda, se refletem no aumento das malhas rodoviária e ferroviária e melhoria da logística como um todo, maior acesso a água e a esgoto tratado. Enfim, são 69 indicadores na camada estratégica e 464 na tática.
Planejar é método, não pílula mágica para o desenvolvimento. Significa dimensionar o tamanho de desafios e do esforço necessário para superá-los. Conduzir esse processo foi um enorme esforço da Secretaria Nacional de Planejamento, mas também das equipes de todo o governo. A arquitetura das políticas está dada. Que, aprovado, o plano de médio prazo do país seja implementado com garra e entusiasmo para que, enfim, realizemos nossas potencialidades como nação que, de fato, dá aos seus cidadãos e cidadãs condições plenas de vida.
* Leany Lemos é secretária Nacional de Planejamento e cientista política