Educação

Artigo: Debate sobre EaD oculta ausência de política pública

Censo revela que o número de matriculados no ensino superior em 2022 6,6% no setor privado e queda de 0,1% nas instituições públicas, no modelo de educação a distância

Uma vez mais, os dados do Censo da Educação Superior 2022 revelaram que as matrículas no ensino superior cresceram. O total de alunos aumentou 5,1% em 2022, em relação a 2021, refletindo acréscimo de 6,6% no setor privado e uma redução de 0,1% no ensino superior público.

Embora o resultado esteja muito aquém do necessário para suprir o atraso na oferta de acesso à educação superior, os debates que se seguiram à sua divulgação se concentraram no expressivo crescimento de 16,5% nas matrículas dos cursos de educação a distância em detrimento da modalidade presencial, que registrou queda de 3% na comparação com 2021. No período entre 2011 e 2022, o número de estudantes em cursos a distância cresceu 336,1%, enquanto a diminuição em cursos presenciais foi de 11,4%.

Na verdade, se o Brasil tivesse uma política pública de acesso à educação superior consistente, e o crescimento do volume de jovens que ingressam no ensino superior acompanhasse o crescimento total da população, muito provavelmente não estaríamos discutindo a questão do EaD.

A taxa de escolarização líquida, que mede o percentual de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior, praticamente não evoluiu e se mantém em patamares muito baixos: apenas 18,9%, em 2022. E o resultado só não é pior porque, comparando o total de matrículas no ensino superior com a projeção da população registrada pela Pnad na mesma faixa etária, nota-se que esse indicador vem diminuindo a cada ano.

Segundo o Censo, dentre os jovens até 30 anos, 67,4% estudam em cursos presenciais e 32,6%, no ensino a distância. Entre os mais velhos, acima de 30 anos, 69,7% estudam em cursos EaD e 30,3%, nos presenciais. Mesmo que a preferência dos alunos mais jovens seja pelo ensino presencial, pela necessidade da vivência universitária, do contato com os professores e com os colegas, a maioria não consegue acessar as vagas das universidades públicas nem arcar com as mensalidades dos cursos presenciais das IES privadas.

Segundo dados da Pnad de 2023, 77,9 % dos estudantes do ensino médio têm renda familiar per capita de até um salário mínimo. Ou seja, sem bolsa, financiamento estudantil ou vaga gratuita, os jovens dificilmente conseguem ingressar e permanecer no ensino superior.

Não há notícia de ampliação de programas de bolsas, como o Prouni, ou do financiamento estudantil Fies. A título de exemplo, em 2014 o Brasil chegou a celebrar 732 mil novos contratos do Fies. Em 2022, foram firmados apenas 51 mil novos contratos e, em 2023, até o fim do primeiro semestre, apenas 27 mil.

É importante ressaltar que estamos falando de uma população de 22,5 milhões de jovens de 18 a 24 anos, dos quais apenas 4,2 milhões estão no ensino superior. E não podemos esquecer que, além do problema econômico de acesso à educação superior, existem outros fatores importantes que contribuem para esse quadro, como a evasão ao longo do ensino médio. Cerca de 35% dos alunos que ingressam no ensino médio não concluem essa etapa da sua formação.

Diante desses dados, e sem esquecer a relevância de uma atenção maior para a qualidade do ensino a distância, com o estabelecimento de instrumentos adequados que possam efetivamente avaliar a realidade da oferta desses cursos, fica evidente a necessidade urgente de criação de um novo sistema de financiamento estudantil.

Um sistema que, como propusemos desde 2017, teria os pagamentos vinculados à renda do aluno, de modo a permitir que aqueles que não têm condições de pagar pela mensalidade escolar possam ter acesso a todas as IES e a todas as carreiras e passem a usufruir dos benefícios da formação superior, quebrando os atuais ciclos intergeracionais de desigualdade.

Acreditamos que só com a criação de um sistema de financiamento estudantil com essas características, que, ao mesmo tempo, concilie proteção social com sustentabilidade fiscal em políticas públicas de assistência estudantil, será possível viabilizar a ampliação do acesso à educação superior para a população brasileira. Lembrando que esse tipo de política pública não beneficia apenas o indivíduo, mas representa, principalmente, um investimento capaz de assegurar retorno para o país em termos sociais, culturais e econômicos.

 * Lúcia Teixeira, doutora em psicologia da educação e presidente do Semesp

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