Não surpreende ninguém que a pobreza está associada à baixa escolaridade. Neste artigo, vamos examinar índices educacionais das populações preta, parda e branca nas duas últimas décadas e relacioná-los com renda e tributação. Fixado esse ponto, é possível levantar a hipótese de que o sistema tributário brasileiro contribui para o acirramento de desigualdades socioeconômicas. Daí porque a reforma tributária que se avizinha poderá ser uma oportunidade de iniciar um processo de correção desse problema.
De acordo com o Censo 2010 do IBGE, que abrangeu informações dos 10 anos anteriores, entre pretos, pardos e brancos, os índices de analfabetismo são discrepantes. Por exemplo, nos municípios com menos de 5 mil habitantes, o percentual de analfabetos pretos foi de 27,1%, contra 20% e 9,8% de pardos e brancos, respectivamente. Nos municípios com população entre 5 e 10 mil habitantes, brancos somaram 11,4% dos analfabetos; pretos e pardos registraram, respectivamente, 28,3% e 21,75%.
Em 2022, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, Pnad contínua, 7,4% dos pretos com 15 anos ou mais eram analfabetos, enquanto brancos analfabetos na mesma faixa etária eram 3,4%. Acima dos 60 anos, essa diferença aumenta, sendo 23,3% de pretos analfabetos contra 9,3% dos brancos. Ainda em 2022, 47% das pessoas pretas haviam concluído o ensino básico obrigatório, para 60,7% de pessoas brancas. Na faixa etária de 18 a 24 anos, 36,7% dos brancos estavam estudando, contra 26,2% de pretos e pardos. Tratando-se de curso superior, nesse grupo etário, 29,2% de brancos frequentavam algum tipo de graduação, enquanto pretos ou pardos, 15,3%. Além disso, 70,9% dos pretos e pardos nessa idade não estudavam nem tinham concluído o curso superior, ao passo que, entre os brancos, esse índice cai para 57,3%.
Em duas décadas, os índices demonstram desigualdade entre brancos, pretos e pardos em matéria de escolaridade e favorecem as pessoas brancas. Isso se reflete na renda média desses grupos raciais. De acordo com o Censo de 2010, a renda média mensal de brancos naquele ano era de R$ 1.574, enquanto a de pretos registrou R$ 834, e a de pardos, R$ 845. Indígenas ficaram com o menor valor, R$ 735. No ano de 2016, conforme a Pnad contínua, pretos tiveram rendimentos médios mensais de R$ 1.461, ao passo que pardos e brancos receberam, respectivamente, R$ 1.480 e R$ 2.660. Já em 2021, o rendimento médio dos trabalhadores brancos foi de R$ 3.099, superando muito o de pretos, que ficou em R$ 1.764 e o de pardos, R$ 1.814.
Como se observa, existe uma relação lógica e intrínseca entre escolaridade e renda. Quanto mais os índices de escolaridade na média diminuem, menor é a renda média. Assim, é urgente a manutenção e a expansão de políticas públicas educacionais capazes de corrigir essas diferenças, de modo que a oportunidade de educação de qualidade se universalize.
O sistema de tributação contribui para o acirramento desses indicadores de desigualdade. Isso se deve, em grande parte, aos tributos sobre o consumo, que, em 2021, representaram 44,02% de toda a arrecadação. Tais tributos incidem igualmente sobre a renda de ricos e de pobres. Conforme o Banco Mundial, a linha da pobreza é fixada em US$ 5,50 diários (ou R$ 486 mensais per capita); já para a extrema pobreza, a renda diária é de US$ 1,90 diários, equivalente a R$ 168 mensais per capita.
A renda média mensal per capita dos mais ricos, em 2021, registrou o valor de R$ 7.717,58. Os tributos do consumo incidem igualmente sobre essas rendas porque estão embutidos no preço dos produtos e serviços consumidos, gerando uma relação de iniquidade entre esses grupos econômicos, pois, descontados os tributos do consumo, sobra muito mais renda para os mais ricos do que para os mais pobres.
Considerando que a população mais pobre e carente de direitos básicos é formada por pretos e pardos, segue-se que o sistema de tributação brasileiro, quase totalmente baseado no consumo, contribui para o acirramento de desigualdades econômicas e raciais. Daí porque cabe à reforma tributária em curso no Congresso Nacional adotar mecanismos que permitam a erradicação desse problema ou, pelo menos, a sua atenuação.
*Cleucio Santos Nunes, doutor em direito do Estado pela UnB, professor no mestrado da Universidade Católica de Brasília e ex-conselheiro do Carf
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