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Justiça

Reclamação Constitucional: o papel do STF nas relações de trabalho

A Reclamação Constitucional emerge como um meio processual eficaz para garantir a conformidade com os precedentes vinculantes e, por conseguinte, uniformizar a jurisprudência

Ações abrangem processos envolvendo parceiros em salões de beleza, corretores de imóveis e médicos, entre outros profissionais -  (crédito: ALFREDO ESTRELLA)
Ações abrangem processos envolvendo parceiros em salões de beleza, corretores de imóveis e médicos, entre outros profissionais - (crédito: ALFREDO ESTRELLA)
Ronaldo Ferreira Tolentino e Simony Braga - Opinião
postado em 21/11/2023 06:00

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem desempenhado um papel de destaque na transformação das relações de trabalho no Brasil. Questões cruciais, como a terceirização, o contrato de franquia e a negociação sobre o legislado, têm sido palco de debates intensos e decisões impactantes na mais alta instância judicial do país. No centro desse cenário, protagoniza a Reclamação Constitucional, um instrumento jurídico exclusivamente brasileiro, sem equivalentes em outros sistemas legais.

Uma pesquisa conduzida pela Universidade de São Paulo (USP) revelou que, dentre as 303 ações analisadas relacionadas à competência da Justiça do Trabalho no STF, 88 delas eram Reclamações Constitucionais, com uma notável taxa de sucesso, uma vez que apenas 15% delas foram julgadas improcedentes. Essas ações abrangem uma ampla gama de processos envolvendo trabalhadores de plataformas, motoristas autônomos de cargas, parceiros em salões de beleza, corretores de imóveis, médicos, representantes comerciais e advogados associados.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) são os principais órgãos de precedentes, asseguradas constitucionalmente ao TST a interpretação e aplicação da legislação trabalhista. No entanto, o STF, ciente dos novos desafios que o direito do trabalho enfrenta, reconhece a importância de interpretar os precedentes de forma ampla, permitindo a legitimidade de diversas formas de relação de trabalho, além do tradicional vínculo empregatício regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Em um exemplo específico, o ministro Luiz Fux, na RCL 54.738, ressaltou que o plenário do STF já decidiu, em inúmeros casos, o reconhecimento de modalidades de relação de trabalho distintas das previstas na CLT. Já na RCL 56.285, o ministro Barroso enfatizou que o contrato de emprego não é a única maneira de estabelecer relações de trabalho, uma vez que um mesmo mercado pode acomodar tanto profissionais contratados sob o regime da CLT quanto aqueles que atuam com maior autonomia e eventualidade.

Nesse contexto, contratos de terceirização de mão de obra, parcerias, sociedades e a prestação de serviços por pessoas jurídicas são considerados lícitos. Em Reclamações Constitucional que discutem vínculo empregatício, é comum não haver evidências de vício de consentimento no acordo formalizado e, além disso, a parte contratada, muitas vezes, tem ampla capacidade intelectual, de acordo com a legislação. O julgado na ADPF nº 324 e a tese do Tema nº 725 Repercussão Geral justificam a procedência da Reclamação Constitucional para afirmar a legitimidade da contratação de pessoas jurídicas unipessoais para prestar serviços a empresas contratantes.

Essas decisões não apenas confirmam a compatibilidade entre os valores do trabalho e da livre iniciativa na terceirização, baseando-se em precedentes vinculantes, mas também apontam a ausência de condição de vulnerabilidade nas escolhas contratuais, a atrair proteção estatal por meio do Poder Judiciário.

À medida que as decisões do STF afetam o cenário trabalhista, a Reclamação Constitucional emerge como um meio processual eficaz para garantir a conformidade com os precedentes vinculantes e, por conseguinte, uniformizar a jurisprudência. Esse instrumento vem se consolidando como uma estratégia fundamental para assegurar a prestação jurisdicional ágil e adequada, promovendo a segurança jurídica.

No entanto, é importante notar que o STF não está imune às críticas, especialmente por parte da Justiça do Trabalho, em relação às decisões proferidas nas Reclamações Constitucionais. Aqueles que discordam da Suprema Corte deveriam questionar os fundamentos que a levam a tais decisões.

É crucial evitar a visão limitada que restringe a licitude de outras formas de contratação além da CLT e o receio de precarização. A Justiça do Trabalho deve ampliar sua perspectiva para aceitar as novas formas de relações de trabalho, como estabelecido pelo STF, a fim de não ser juridicamente corrigida constantemente pela Suprema Corte.

*Ronaldo Ferreira Tolentino é advogado e presidente da Comissão Especial de Direito do Trabalho do Conselho Federal da OAB

* Simony Braga é advogada e membro consultora da Comissão de Direito Sindical do Conselho Federal da OAB

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