Vinte de novembro é Dia de Zumbi e da Consciência Negra (Lei n° 12.519/2011). A data em homenagem ao líder do Quilombo dos Palmares (morto em 1695) é comemorada por uma parcela da população preta e parda,mas não reconhecida por todas as unidades da Federação (estados e municípios), inclusive o Distrito Federal, onde é ponto facultativo. O 20 de novembro é feriado em seis dos 27 estados e em 1.260 dos 5.570 municípios. Os dados da Fundação Palmares são forte indicativo do preconceito e do racismo, que se manifestam de diferentes formas de violência e de opressão praticadas contra o povo negro tanto pelo poder público quanto pelos não negros.
A indiferença do poder público aos negros não é restrita à comemoração de uma data específica. É padrão de comportamento e das decisões. Falta paridade nos espaços relevantes do poder. Quando um negro, seja homem ou mulher, é guindado a um cargo importante na estrutura de poder, ele se torna notícia em todos os meios de comunicação por ser um fato raro, embora componha 56% da população brasileira.
Historicamente, os estudos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelam que os negros são a maioria das vítimas de assassinato. Durante 2021, em cada 100 homicídios, 78 pessoas eram negras, e 84,1% dos mortos pelas polícias eram afro-brasileiros. No mesmo ano, foram registrados 13.830 casos de injúria racial e 6.003 de racismo, crimes inafiançáveis e imprescritíveis. O enrijecimento da legislação penal não inibe a violência contra os pretos, sobretudo quando ela é praticada pelos agentes públicos.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, admitiu, meses atrás, em entrevista à equipe do Correio, que falta letramento racial dentro e fora do poder público. Em parceria com o Ministério da Educação, ela anunciou que ambas as pastas trabalhavam no sentido de tornar real o cumprimento da Lei n° 10.639/2003, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira.
Esta mudança começaria por meio dos livros didáticos, cujo conteúdo, na maioria das vezes, não tem espaço para o protagonismo negro. Uma década atrás, quando a lei entrou em vigor, os fundamentalistas rechaçaram a sua aplicação. Preconceito, racismo, intolerância religiosa e entendimentos equivocados da cultura afro-brasileira impediram a aplicação do marco legal. Adiou-se a oportunidade de tornar a educação um instrumento dos esforços contra o racismo, desmistificando conceitos e práticas inexistentes no universo dos afrodescendentes. Até mesmo os negros foram prejudicados e não se reconhecem como afrodescendentes em razão de uma educação truncada que não lhes permitiu conhecer a sua origem ancestral. Perderam, portanto, a possibilidade de se impor diante de realidades e estatísticas tão desfavoráveis.
As distorções ainda hoje são cultivadas e, muitas vezes, estimuladas por fundamentalistas e supremacistas brancos. Rever a grade curricular e cumprir a legislação não significa uma deferência especial aos negros. Trata-se de um reconhecimento do expressivo papel que desempenham na sociedade brasileira, desde o início do século 16, quando aportaram no Brasil, como escravos, para garantir o desenvolvimento econômico do país. Ainda hoje, os pretos e pardos somam 61,3% da força de trabalho do país. Injustamente, são os que recebem os menores salários, ainda que tenham a mesma formação e capacidade de um não preto.
Educar a sociedade para a equidade étnica-racial é papel que se impõe ao Estado Democrático de Direito, uma real afronta à Constituição Cidadã de 1988. Essa educação começa desde a primeira infância até os níveis superiores, para que todos se reconheçam como iguais perante as leis, as políticas públicas e as oportunidades de trabalho. O racismo dominante torna a sociedade brasileira doente e desumana e apequena o Brasil plural e diverso, sua principal marca entre a concertação das nações do mundo.
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