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Sociedade

Artigo: A Revolução Francesa e a nossa Brasília

Os menos favorecidos esperam o tratamento empático de quem detém o poder. Caso contrário, terão como resposta a dura consequência da democracia

opiniao 1611 -  (crédito: Caio Gomez)
opiniao 1611 - (crédito: Caio Gomez)
postado em 16/11/2023 06:00 / atualizado em 16/11/2023 07:35

A França do século 18 era a representação do que chamamos de antigo regime, uma sociedade aristocrática com o controle centralizado nas mãos de um monarca. A estrutura política e social da França, naquele período, era baseada na ordem, onde cada coisa existia por um motivo específico e deveria cumprir o seu papel. Isso era refletido na sociedade. Cada grupo social tinha uma posição, e o objetivo era manter a ordem sem criar abalos para a estrutura política e social vigente.

O Estado na França do século 18 era dividido em três partes: a monarquia e o clero; a nobreza; e os camponeses e a pequena burguesia, onde a filosofia de manutenção da ordem não permitia mobilidade entre os grupos. Disso decorria que nenhum camponês ou pequeno burguês pudesse migrar para a nobreza e permanecia apenas cumprindo o seu papel de manutenção do Estado e da estrutura político-social vigente.

O Iluminismo, movimento surgido no mesmo século, trouxe a valorização da razão em detrimento da fé e a crítica ao absolutismo. Esse movimento fez chegar às classes mais vulneráveis, camponeses e a pequena burguesia, questionamentos sobre os privilégios dados ao clero, à monarquia e à nobreza. O que se debatia era o porquê do sustento dos privilégios aos mais favorecidos ser custeado pelos impostos dos menos favorecidos. E assim surgiu a base de revoltas que culminou com a Revolução Francesa, a mãe de todas as revoluções.

O ICMS é um imposto de competência do Governo do Distrito Federal (GDF) que incide no consumo. A sua característica de recair sobre as mercadorias, sem observar o contribuinte, o torna cruel quando iguala pobres e ricos na mesma alíquota. Se o cidadão de renda baixa procurar realizar o sonho de uma televisão nova nesse natal, pagará o mesmo ICMS que o cidadão mais rico, de renda maior.

Este ano, o GDF aumentou o que chamamos de alíquota modal do ICMS de 18% para 20%, o que ocasionou um aumento generalizado de impostos que incidirão sobre os produtos consumidos no Distrito Federal. O impacto perverso dessa ação é saber que aqueles que lutam pela sobrevivência vão arcar com os recursos para cobrir o anunciado deficit orçamentário que garante obras e serviços públicos. Essas mesmas obras que privilegiam aqueles que têm carro em detrimento dos menos favorecidos, os quais dependem de transporte público ou que ainda não conseguiram o emprego para o sustento de suas famílias. É o imposto dos mais pobres pagando o privilégio dos mais ricos no DF.

Recentemente, vi o anúncio da isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) no Distrito Federal para os carros elétricos. Para estimular a descarbonização, o GDF direciona a isenção para carros que podem custar mais de meio milhão de reais. Enquanto isso, os que não têm carros sofrem aumento da carga tributária no consumo do seu dia a dia, com o aumento da alíquota modal do ICMS para muitos produtos consumidos. Mais uma vez, os mais pobres pagando pelo privilégio dos mais ricos.

A França do século 18 enfrentou uma crise fiscal e outra climática que impactaram o agronegócio, base da sua economia. A solução apresentada ao Rei Luís 16 pelo ministro da Fazenda à época, Charles de Calonne, foi o aumento de impostos. A situação dos mais pobres na França piorou com a fome. A crise climática fez subir o preço do pão, produto básico na alimentação dos mais pobres. O comprometimento da renda dos menos favorecidos com o pão chegou a 80%. Imagine o que é separar 80% da sua renda apenas para garantir o básico da alimentação da sua família. A fome e o aumento de imposto foram o estopim para a revolta das camadas sociais mais vulneráveis contra a monarquia absolutista que resultou na Revolução Francesa.

A sociedade pressionada pela opressão e o abandono do Estado na defesa de seus interesses, principalmente no atendimento às necessidades mais básicas, é a receita para uma revolução. Não cabe mais, nos dias de hoje, uma revolução armada, com violência. A democracia oferece para a sociedade o voto como sua principal arma de combate. Governo que não atende às pessoas não serve para ser governo. Os ciclos se repetem, e aqueles que não aprendem com a história padecem na soberba, pecado capital dos que detêm o poder.

Que a insensibilidade de Luís 16 não se repita na nossa Brasília. Os menos favorecidos esperam o tratamento empático de quem detém o poder. Caso contrário, terão como resposta a dura consequência da democracia, na forma de derrota eleitoral, uma revolução contemporânea, sem mortos, sem derramamento de sangue, mas impondo à soberba e aos insensíveis a resposta de quem sonha com uma Brasília socialmente mais justa.

* Valdir Oliveira é ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal

 

 

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