Muito eu poderia falar sobre um dos principais setores da nossa economia, que é o varejo têxtil, já que atuo há 24 anos na associação brasileira desse segmento. As empresas que a entidade representa realizam atividades de extrema relevância econômica para o país, apostam em inovação e contribuem decisivamente com a manutenção e geração de empregos — são 1,7 milhão de postos de trabalho em todas as regiões do Brasil, estruturados em milhares de empreendimentos produtivos do segmento têxtil.
Mas nesta oportunidade não quero falar exatamente sobre as características do setor que reúne grandes empresas nacionais e tem mais de 200 anos de tradição. Neste momento, precisa ser feito um debate sobre a necessidade de isonomia tributária. Com acerto, o governo federal concebeu este ano o programa "Remessa Conforme", que busca disciplinar o comércio eletrônico via empresas cross borders, combatendo a sonegação fiscal e trazendo aspectos de compliance e melhores práticas à atuação no Brasil para empreendimentos sediados em outros países.
Considero esse programa um mecanismo de modernidade da fiscalização: emprega tecnologia e busca superar anacronismos que ocorrem com a sonegação fiscal e a "burla" à atuação da Receita Federal por meio de despacho internacional de mercadorias. Trata-se de um acerto em várias dimensões, portanto, e que também poderia cumprir com o objetivo de contribuir com os esforços governamentais de atingimento do equilíbrio fiscal. Mas o programa sofreu uma alteração que surpreendeu todo o setor produtivo nacional – e não falo apenas do varejo têxtil.
O governo federal editou a Portaria MF nº 612/2023, que concede total isenção de imposto de importação para os sites internacionais operando dentro do Programa Remessa Conforme, para produtos com valor de até US$ 50, ou cerca de R$ 250. E a única contrapartida determinada pela portaria é que seja feita a cobrança de 17% de ICMS sobre as vendas dos cross borders, medida ainda em lenta implantação pelos estados e alíquota inferior à cobrada do varejo nacional.
Tal isenção abrange milhões de encomendas. O secretário da Receita Federal afirmou recentemente, por exemplo, que uma única "pessoa" (pessoa entre aspas, porque isso se trata de burla e sonegação fiscal) enviou ao país 16 milhões de pacotes. E, com a portaria, está colocada uma perda de receita à União estimada ao redor de R$ 30 bilhões, segundo estudo do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo. Valor que representa quase metade do orçamento anual do programa Bolsa Família.
Essa medida coloca em risco efetivamente um setor decisivo da economia nacional. E quando um setor encara obstáculos graves, são milhões de empregos, economias locais por todo o país e estruturas de produção que se colocam em risco. Estamos falando de quase 2 milhões de empregos! Quando falamos em benefícios fiscais, é preciso ter sempre em mente que seu conceito tem aderência à ideia de Justiça, capacidade contributiva e desenvolvimento econômico, como cita Ricardo Lobo Torres, em seu "Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário". Esses aspectos não se observam quando foi implantada uma medida que, no curto prazo, coloca em risco famílias, economias locais e toda uma cadeia de produção nacional.
Trata-se também, como mencionei, de uma indústria com 200 anos de tradição. E que, por meio dos parâmetros do programa Abvtex, busca as melhores práticas produtivas, respeito a condições de trabalho dignas, ao meio ambiente e outras ações de responsabilidade social, ambiental e de governança. O setor brasileiro, posso afirmar, não teme a competição. Os empreendimentos e marcas que o compõem lidam com um cenário de desafios constantes frente a outros competidores, diante de uma carga tributária expressiva e outros, que se impõem para se produzir no nosso país.
O setor defende a livre iniciativa e a competição, tão próprias do capitalismo, mas é preciso garantir a igualdade de condições para a indústria nacional em relação às empresas cross borders. A Portaria MF 612/23, que trouxe essas mudanças a um programa que considero bastante acertado, precisa ser revista de forma urgente. Caso contrário, vamos observar, no futuro próximo, todo um segmento engatilhando demissões, fechamento de negócios e um dano enorme e irreversível ao país.
EDMUNDO LIMA - Diretor executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex)
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