No final dos anos 1980, participei de um congresso organizado pelo Centro Internacional de Estudos Superiores de Periodismo para América Latina (Ciespal), em Quito, no Equador. O debate era sobre liberdade de imprensa diante do novo fenômeno resumido em três palavras: tráfico de drogas. O problema não era conhecido no Brasil na época. Por aqui, ninguém falava nem desconfiava da existência de quadrilhas internacionais, de máfias organizadas e conectadas com grupos semelhantes na África e na Europa. Nenhum jornal utilizava a designação narcotráfico ou narcotraficante. A origem da palavra é espanhola. Foi recebida pelo idioma português por necessidade.
Um dos participantes contou uma história impactante. Um traficante de drogas teve seu filho preso nos Estados Unidos. Ele queria libertar o rebento. Negociou com os governos e ofereceu em troca da liberdade do herdeiro simplesmente pagar a dívida externa da Bolívia, algo em torno de US$ 10 bilhões, na época. Outro colega periodista (jornalista) contou que o principal problema dos traficantes colombianos era lavar dinheiro. Eles, para chegarem a seu objetivo, costumavam oferecer aos proprietários de grandes residências o dobro de seu valor. E o proprietário não tinha escolha. Era levado a fazer a venda, senão sua vida estaria em sério perigo.
Conto essa história porque, naquela época, o Brasil vivia na mais perfeita ingenuidade. As autoridades nacionais diziam que nada disso ocorria aqui. As pessoas eram felizes e o país não conhecia o fenômeno da droga. Hoje, o cenário é parecido com os relatos dos jornalistas naquele encontro, quase 40 anos atrás. A maior ameaça aos governos latino-americanos não é um eventual ataque comunista, que aflige militares e bolsonaristas. É o ataque dos narcotraficantes.
O exemplo da Colômbia é estarrecedor. As Forças Armadas da Colômbia (Farc), grupo de origem comunista que se associou aos produtores de drogas, dominaram vastas áreas do país. Não conquistou Bogotá porque não quis. Seria muito difícil montar um governo, ter relações diplomáticas e organizar a administração pública. O grupo preferiu continuar a vender drogas. Em tempos recentes, fizeram acordo com o governo e deixaram a clandestinidade. Constituíram partido político. No México, também, a situação é dramática. Traficantes controlam enormes áreas e vivem em confronto com tropas federais. Os cartéis da droga continuam a exportar seu valioso produto para o mercado norte-americano.
As principais autoridades do governo Maduro, na Venezuela, vivem situação diferente. Eles não enxergam o tráfico. Olham para o outro lado e permitem que o país seja um corredor na direção do mercado norte-americano e europeu, via África. A droga contaminou os países da América do Sul. O Brasil, que era um corredor de passagem, se transformou em grande consumidor. Os exemplos recentes dos episódios ocorridos no Rio de Janeiro demonstram que milicianos e traficantes se estabeleceram em grandes áreas na cidade. Conseguiram se infiltrar na política, em diversos setores da administração pública e do parlamento. E no Judiciário. Vez por outra, um juiz no plantão liberta notório traficante. Depois se justifica com complexas interpretações da lei.
Agora, o Mossad, notório serviço secreto de Israel, implacável na execução de seus objetivos, e os serviços de inteligência dos Estados Unidos avisaram à Polícia Federal brasileira de que pessoas ligadas ao Hezbollah, grupo terrorista que opera a partir do Líbano, sob instruções do governo do Irã, pretendiam, ou pretendem, realizar ações terroristas contra instituições judaicas no Brasil. Ou seja, bombardear o inimigo do Oriente Médio em todo o mundo, inclusive na América Latina. E nela, o Brasil. A PF agiu rápido e prendeu dois homens supostamente ligados àquele grupo e cumpriu mandados de busca e apreensão em São Paulo, Minas e Distrito Federal.
As reações ao caso são as de sempre. Autoridades dizem que o Brasil é uma sociedade pacífica e que todos estrangeiros, sejam de qualquer nacionalidade e crença religiosa, convivem em ambiente de plena liberdade e segurança. Não há conflitos. É verdade, até agora. Além de Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira, Anápolis, em Goiás, possui enorme população de origem árabe, que, aliás, ganhou muito dinheiro na construção de Brasília. Há diversas ilhas de população judaica no país. Uma delas é Copacabana, o bairro em que fica a famosa praia carioca.
O governo federal, finalmente, descobriu que a questão do tráfico de drogas é nacional. Saiu do imobilismo e da posição ingênua de que a questão era assunto de polícia estadual ou local. Vai demorar algum tempo para que o Palácio do Planalto perceba que a guerra na Palestina contamina o mundo inteiro, inclusive o Brasil. É melhor prevenir e capacitar as Forças Armadas para defender as fronteiras das invasões dos traficantes e, agora, dos terroristas.
André Gustavo Stump - Jornalista
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