No auge da crise sanitária da covid-19, entre 2020 e 2021, nas redes sociais e nos mais diferentes artigos publicados na imprensa, dizia-se que a maior pandemia dos últimos 100 anos modificaria, para melhor, o comportamento humano. Imaginava-se que as pessoas valorizariam a vida e teriam um olhar mais complacente com os outros. Reconheceriam o quanto foi doloroso o isolamento social, imposto pelo SAR-Cov-2, difícil viver solitariamente, distante das pessoas amadas, e sofrer a perda de familiares e amigos.
Tudo causado por um ser invisível e microscópico que ceifava vidas, sem distinção étnica-racial, gênero, condição socioeconômica, posição política, ideologia, grau de desenvolvimento dos países. Uma peste que primou pela horizontalidade e tratou todos com igualdade — ninguém valia nem era superior ao outro —, sem escolher cara ou coração. Estima-se que 20 milhões sucumbiram em todo o planeta, sendo 1,8 milhão no Brasil — ainda hoje, com menos intensidade, a covid-19 segue fazendo vítimas.
A mudança no relacionamento entre as pessoas não aconteceu na dimensão esperada. Mais afeto, solidariedade, fim das expressões de violência e crueldade, erradicação da fome, da miséria, do sadismo e dos conflitos não ocorreram. Não houve uma lapidação dos valores humanitários, para cessar as disputas que se traduzem em morte precoce de crianças, jovens adultos e idosos. Nada mudou.
As desigualdades sociais e econômicas que dividem as sociedades parecem mais robustas e mostram que não fomos capazes de refletir sobre o quanto é passageira nossa trajetória no planeta e que dele nada levamos quando nos encontramos com a finitude da vida. Os supostos líderes de grandes, médias e pequenas nações ainda seguem arrogantes, prepotentes e com ares de uma superioridade fantasiosa, pois ela não existe.
Ainda que tenham acesso ao que de melhor a ciência e a medicina podem oferecer, os donos das guerras não conseguirão escapar do abraço da Senhora Finitude. Todos serão levados para debaixo do solo que regaram com o sangue dos mais frágeis e inocentes. Se optarem pela cremação, serão cinzas espalhadas pelo vento. Em síntese, terão o mesmo destino daqueles que rotularam de inferiores.
Os conflitos no Oriente Médio, entre judeus e palestinos, e no leste europeu, entre Rússia e Ucrânia, provam que nenhuma lição foi aprendida com a batalha mundial contra a covid-19. Seguimos brutos, indomáveis, desumanos e cruéis. Desvalorizamos o outro e ignoramos o bem-estar que paz e solidariedade podem nos proporcionar. Movidos pelo ódio, pela vingança, por uma disputa daquilo que não nos pertence e do qual jamais seremos donos em detrimento da vida, o bem supremo.
Hoje, aqueles que se dizem líderes das sociedades transformaram-se em algozes e vassalos da Senhora Finitude. Iludidos com um poder tão ou mais frágil que a vida, nada lhes garantirá a imortalidade. Pelo contrário. O encontro com a senhora é imprevisto, mas inexorável e sem honrarias.
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br