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Guerras

Artigo: Lição desperdiçada

Após a tragédia mundial, provocada pela pandemia da covid-19, imaginava-se que as pessoas valorizariam a própria vida e teriam um olhar mais complacente com os outros. Isso não aconteceu

Palestinos choram antes do funeral de seus parentes, que foram mortos em um ataque israelense, em Rafah, no sul da Faixa de Gaza       -  (crédito: SAID KHATIB / AFP)
Palestinos choram antes do funeral de seus parentes, que foram mortos em um ataque israelense, em Rafah, no sul da Faixa de Gaza - (crédito: SAID KHATIB / AFP)
postado em 13/11/2023 06:00 / atualizado em 14/11/2023 06:20

No auge da crise sanitária da covid-19, entre 2020 e 2021, nas redes sociais e nos mais diferentes artigos publicados na imprensa, dizia-se que a maior pandemia dos últimos 100 anos modificaria, para melhor, o comportamento humano. Imaginava-se que as pessoas valorizariam a vida e teriam um olhar mais complacente com os outros. Reconheceriam o quanto foi doloroso o isolamento social, imposto pelo SAR-Cov-2, difícil viver solitariamente, distante das pessoas amadas, e sofrer a perda de familiares e amigos.

Tudo causado por um ser invisível e microscópico que ceifava vidas, sem distinção étnica-racial, gênero, condição socioeconômica, posição política, ideologia, grau de desenvolvimento dos países. Uma peste que primou pela horizontalidade e tratou todos com igualdade — ninguém valia nem era superior ao outro —, sem escolher cara ou coração. Estima-se que 20 milhões sucumbiram em todo o planeta, sendo 1,8 milhão no Brasil — ainda hoje, com menos intensidade, a covid-19 segue fazendo vítimas.

A mudança no relacionamento entre as pessoas não aconteceu na dimensão esperada. Mais afeto, solidariedade, fim das expressões de violência e crueldade, erradicação da fome, da miséria, do sadismo e dos conflitos não ocorreram. Não houve uma lapidação dos valores humanitários, para cessar as disputas que se traduzem em morte precoce de crianças, jovens adultos e idosos. Nada mudou.

As desigualdades sociais e econômicas que dividem as sociedades parecem mais robustas e mostram que não fomos capazes de refletir sobre o quanto é passageira nossa trajetória no planeta e que dele nada levamos quando nos encontramos com a finitude da vida. Os supostos líderes de grandes, médias e pequenas nações ainda seguem arrogantes, prepotentes e com ares de uma superioridade fantasiosa, pois ela não existe.

Ainda que tenham acesso ao que de melhor a ciência e a medicina podem oferecer, os donos das guerras não conseguirão escapar do abraço da Senhora Finitude. Todos serão levados para debaixo do solo que regaram com o sangue dos mais frágeis e inocentes. Se optarem pela cremação, serão cinzas espalhadas pelo vento. Em síntese, terão o mesmo destino daqueles que rotularam de inferiores.

Os conflitos no Oriente Médio, entre judeus e palestinos, e no leste europeu, entre Rússia e Ucrânia, provam que nenhuma lição foi aprendida com a batalha mundial contra a covid-19. Seguimos brutos, indomáveis, desumanos e cruéis. Desvalorizamos o outro e ignoramos o bem-estar que paz e solidariedade podem nos proporcionar. Movidos pelo ódio, pela vingança, por uma disputa daquilo que não nos pertence e do qual jamais seremos donos em detrimento da vida, o bem supremo.

Hoje, aqueles que se dizem líderes das sociedades transformaram-se em algozes e vassalos da Senhora Finitude. Iludidos com um poder tão ou mais frágil que a vida, nada lhes garantirá a imortalidade. Pelo contrário. O encontro com a senhora é imprevisto, mas inexorável e sem honrarias.

 


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