É grande a responsabilidade do Congresso Nacional na aprovação do Orçamento da União de 2024. Essa afirmação seria até uma tautologia, uma vez que é atribuição dos senadores e deputados estabelecer as suas diretrizes e a lei orçamentária. Mas acontece uma disfuncionalidade na relação entre o Executivo e o Legislativo na qual a aprovação das emendas impositivas ao Orçamento da União beneficia diretamente seus autores, ao atender interesses de suas bases eleitorais, mas não tem como contrapartida a responsabilidade quanto aos seus resultados dos investimentos e políticas públicas.
O descompromisso com o resultado é do debate sobre a questão fiscal. A proposta de deficit zero embutida no novo arcabouço fiscal está sendo ameaçada pela perda de arrecadação, decorrente de uma série de benefícios e isenções concedida pelo Congresso, sem a necessária compensação, com a ampliação da base de arrecadação e maior justiça tributária. O relator da Reforma Tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), por exemplo, acrescentou novas exceções ao texto aprovado pela Câmara que podem elevar esses subsídios a 0,5 ponto.
Também terão regime diferenciados de tributos operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive missões diplomáticas e representações consulares e de organismos internacionais; serviços de saneamento e de concessão de rodovias; operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações; serviços de agência de viagem e turismo; e transporte coletivo de passageiros rodoviários intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo.
Com isso, foram contemplados alguns dos lobbies mais poderosos do país, que fazem uma pressão direcionada aos parlamentares que integram a Comissão Mista do Orçamento. Em contrapartida, os interesses difusos da maioria da população, que não tem lobby institucional organizado, é que serão confrontados pelo aumento da alíquota do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que pode chegar a 27,5% do valor das mercadorias. Ou seja, quem pagará a conta é o consumidor comum.
O outro lado dessa moeda vimos ontem, na reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com os ministros da área de infraestrutura. O recado foi o seguinte: "Para quem está na Fazenda, dinheiro bom é dinheiro que está no Tesouro, mas, para quem está na Presidência, dinheiro bom é dinheiro transformado em obras. É dinheiro transformado em estrada, em escola, em escola de primeiro, segundo, terceiro graus, em saúde", disse.
Para bom entendedor, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, responsável pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ganhou a queda de braços com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em relação à possibilidade de contingenciamento de recursos destinados às obras públicas para chegar ao deficit zero, mesmo que arrecadação prevista não seja alcançada.
Nos bastidores do governo, Costa defende uma meta com deficit de até 0,5% para evitar corte de gastos do governo federal num ano de eleições municipais.
Desde a semana passada, quando, em entrevista à imprensa, Lula admitiu que o deficit zero não será alcançado, a equipe econômica está sendo atacada em três frentes: pelos ministros que querem tocar suas obras, pelos setores que desejam mais privilégios e subsídios fiscais, e pelo Congresso que pretende aumentar a fatia das emendas impositivas ao Orçamento da União. É um pacto difícil de ser derrotado, porque também divide os agentes econômicos e a sociedade.
A ordem é gastar o dinheiro previsto nos orçamentos da Esplanada: "Se o dinheiro estiver circulando e gerando emprego, é tudo que um político quer e que um presidente deseja", disse Lula, ao incentivar que seus ministros sejam "os melhores gastadores do dinheiro". O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem uma carteira de R$ 1,4 trilhão de investimentos em infraestrutura até 2026. Entretanto, a conta não fecha. Mesmo isolado dentro do governo, Haddad não pretende renunciar à meta de deficit zero no Orçamento de 2024. O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, Danilo Forte (União-CE), também não. Mas a base governista já se move para derrubá-la. Não zerar o deficit público, porém, é financiar investimento com inflação.
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