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Diversidade

Artigo: TV Palmares e o futuro do Brasil

Brindar novos projetos como esse, de criação da TV Palmares, é pensar no futuro da nação. É valorizar a incandescência das telas em novas cores

opi 0411 -  (crédito: Caio Gomez)
opi 0411 - (crédito: Caio Gomez)
postado em 04/11/2023 06:00

Cláudio Pereira - diretor de TV, radialista e DJ

Semanas atrás, assistindo ao ator, produtor, roteirista, diretor e dramaturgo Silvio Guindane em entrevista ao Pedro Bial, revigorei-me. Entre uma fala e outra sobre o racismo estrutural e o longa Mussum, o filmis que dirigiu, Silvio diz que o país precisa avançar mais na valorização do cinema negro. Então, como trabalho com cinema, sou diretor de tevê, produtor e radialista gaúcho — focado no resgate das histórias negras do Sul —, declarações assim muito me emocionam. Afinal, sou Família Pereira — Claudinho, Preta, Ketelen, Christian, netas e bisnetas e mais e mais pereirinhas.

Daí, vi que, no último 18 de abril, o presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge do Olodum, recebeu autoridades e o reitor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Roberlaine Jorge, que lhe entregou a proposta de criação da TV Palmares desenvolvida em conjunto com Celso Prudente, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e demais parceiros. Pensei: "Bah, baita iniciativa!". Liguei pro Joelzito Araújo, meu amigo e grande diretor de cinema brasileiro (Pai da Rita, Filhas do vento, Meu amigo Fela, Raça e muitos outros excelentes filmes e documentários), que me incentivou a comentar o caso.

Chamei nossa amiga Sátira Pereira Machado para me explicar a proposta, já que ela, atualmente, é professora da Unipampa e devia saber de algo. Segundo ela, em 1971 — em sintonia com as ancestralidades negras detentoras de múltiplas resistências e resiliências e em alusão à data da morte de Zumbi do Quilombo dos Palmares —, o primeiro ato evocativo ao 20 de novembro foi realizado pelo Grupo Palmares, da capital gaúcha. Em 1978, agregando várias entidades negras brasileiras, foi criado o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR), em São Paulo.

A antropóloga Lélia Gonzalez, a historiadora Beatriz Nascimento, o jornalista Hamilton Cardoso, o jurista e procurador da República Wilson Prudente, o poeta Eduardo de Oliveira, o sociólogo Clóvis Moura, o poeta Oliveira Silveira, o intelectual Rui Costa e o economista e teatrólogo Abdias do Nascimento, por exemplo, formam um quadro de saudosas e saudosos militantes que estiveram no processo inicial de formação do MNU. Igualmente, personalidades de Belo Horizonte, de Porto Alegre, do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Salvador e de tantos outros lugares se somaram a esse dinamismo em torno da conscientização do valor das populações negras.

Não ficou por aí... Ela trouxe aqui em casa o reitor Roberlaine e Naiara, filha do poeta afro-gaúcho da consciência negra Oliveira Silveira (1949-2009). Jantamos o prato mineiro caldo de "Quenga" da Preta Pereira, para trocar ideias. Foi aí que entendi o quão relevante é essa empreitada.

Nas conversas, descobri que o propósito é criar um espaço televisivo capaz de manter uma programação com pautas atuais das inúmeras temáticas afro-brasileiras, da diáspora negra e do continente africano. Seria uma forma de viabilizar divulgações comprometidas com a equidade por meio de uma enorme rede de troca de conteúdos entre produtoras e emissoras que pode incluir intercâmbios com entidades públicas, privadas, nacionais e estrangeiras, em relações de reciprocidade.

Imaginem ter acesso a editorias de qualidade jornalística, artística, científicas, amplificadoras de reflexões sobre os antirracismos e as negritudes, contemplando a convergência midiática? De fato, creio que só a Fundação Cultural Palmares tem o potencial de catalisar esse processo, por seu arcabouço legal e executivo. Só ela pode garantir o aspecto transcultural e instituir fluxos participativos capazes de atender aos anseios do público brasileiro: respeito às diferenças e promoção de uma cidadania comunicativa. Seria uma ótima forma de fortalecer a comunicação cidadã na atualidade.

Sou filho de mãe negra com pai branco. Agora que estamos entrando na mídia com uma nova imagem, não queremos só a visibilidade, mas também o reconhecimento do nosso profissionalismo.

O grande desafio dos novos tempos é saber de que maneira absorver e aplicar todas as influências importantes de um passado nostálgico no projeto de um país com um futuro ainda incerto. Precisamos criar iniciativas inovadoras para descobrir a maneira de recriar o Brasil. Brindar novos projetos como esse, de criação da TV Palmares, é pensar no futuro da nação. É valorizar a incandescência das telas em novas cores, abrir novos espaços para os(a) criadores(as) das imagens, dar vida à vida e deixar a negação para trás. Que venha a TV Palmares!

 


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