Economia

Artigo: O que o Plano Real tem a ensinar para a Argentina?

A dolarização da economia é um movimento visto com alguma frequência em países com desequilíbrios inflacionários graves. Porém, tal proposta traz consigo riscos importantes

A Argentina passa por um processo eleitoral em meio a uma severa crise econômica, com a taxa de inflação parecida com a vivida pelo país no início dos anos de 1990. Nesse contexto, várias propostas de estabilização têm vindo à tona. Em especial, a ideia de dolarização da economia foi apresentada como um possível caminho pelo candidato à Presidência Javier Milei.

A dolarização da economia é um movimento visto com alguma frequência em países com desequilíbrios inflacionários graves. Nesse caso, a moeda local é totalmente substituída pelo dólar norte-americano, importando a segurança e a estabilidade daquela moeda e controlando a inflação.

Porém, tal proposta traz consigo riscos importantes. O controle sobre a oferta monetária não estaria mais ligado a um banco central que busca objetivos domésticos, mas diretamente atrelado ao balanço de pagamentos e à capacidade de geração de dólares. Isso torna a economia vulnerável às flutuações do comércio exterior e dos movimentos de capitais.

Outros têm sugerido a ideia de uma unificação monetária dentro do Mercosul. Contudo, criar uma moeda comum em um bloco que não cumpre os critérios de uma área monetária ótima pode complicar ainda mais a situação econômica da Argentina. A crônica falta de competitividade e a baixa credibilidade de que o país seja capaz de se comprometer com soluções de longo prazo para seus problemas fiscais podem resultar em deficits recorrentes com o restante do bloco que, aliás, é composto por países que não estão, necessariamente, com seus problemas fiscais equacionados.

Antes de se tornar um novo "laboratório econômico", a Argentina poderia considerar a experiência do Plano Real brasileiro. Implementado nos anos de 1990, uma de suas ferramentas primordiais foi a URV (unidade real de valor). Essa moeda de transição não circulava fisicamente, mas servia como um indexador, sendo atrelado ao valor do dólar.

Em um ambiente de alta inflação, os preços relativos ficam distorcidos, o que compromete a capacidade dos consumidores e produtores de tomar decisões informadas. A URV permitiu recuperar o sistema de preços, ajudou a estabilizar a economia e foi substituída pelo real, a moeda atual do Brasil. Ela mostra que podem existir mecanismos criativos de ancoragem da moeda que não envolvem diretamente a adoção do dólar.

É fundamental destacar que dois componentes foram cruciais para o sucesso do plano: a busca da disciplina fiscal e uma política de abertura econômica. Mesmo que a decisão da Argentina seja pela dolarização, esses dois fatores vão determinar o sucesso ou o fracasso de qualquer política de estabilização ao longo do tempo. Vale ressaltar que a disciplina fiscal pode ser obtida com ênfase em aumento de impostos ou em corte de gastos, e a literatura nos mostra que a primeira é pior, em termos de recessão.

O crescimento de Milei na preferência do eleitorado mostra que boa parte dos argentinos está em busca de soluções que fogem do receituário desenvolvimentista da administração atual. Como enfatizamos, é possível inovar sem correr altos riscos. O exemplo do Plano Real oferece à Argentina uma lição valiosa: é possível implementar reformas, ancoradas em políticas fiscais e monetárias robustas, que produzam resultados sustentáveis.

À medida que a Argentina trilha seu futuro econômico, a prudência deve ser a bússola, com o bem-estar da população no centro das decisões. Em vez de buscar soluções extremas, pode ser mais sensato considerar abordagens já comprovadas. Seu principal vizinho, o Brasil, que tem um interesse genuíno no sucesso econômico argentino, é testemunha disso.

 


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