A aprovação da reformulação e ampliação da lei que institui as cotas no ingresso em instituições federais de ensino superior me fez relembrar minha jornada na Universidade de Brasília (UnB), durante a década passada. A revisão aprovada pelo Congresso Nacional ocorre 10 anos após a sanção do projeto de lei, que veio em 2012, mesmo ano em que entrei na UnB — primeiro, no curso de economia, que abandonei para enveredar pelo jornalismo.
Vi de perto as intensas transformações pelas quais a universidade passou no seu corpo discente. Em economia, era possível contar em uma mão a quantidade de alunos negros. Conversando com os colegas no centro acadêmico, era possível perceber que a maioria esmagadora vinha daqueles mesmos três ou quatro colégios nos quais só quem tem pais ou responsáveis com capacidade de mobilizar uma boa grana mensalmente tem direito de estudar.
Onde moravam? Claro, Plano Piloto, Lago Sul ou Norte, Jardim Botânico e, procurando bem, era possível achar um ou outro do Guará ou de Águas Claras. Alguns anos depois, quando a cota de 50% já estava em vigor, refiz o vestibular e fui aprovado para a Faculdade de Comunicação. A diferença foi gritante. Colegas de Ceilândia, Taguatinga, Planaltina e Entorno e outras regiões mais distantes do centro já não eram mais raridade. A Universidade de Brasília ficou mais parecida com, veja só, Brasília.
Ainda há quem olhe torto para as políticas afirmativas, mas a realidade é que são medidas que demoraram muito para serem implementadas (antes tarde do que nunca). E o barato das cotas não se encerra apenas no abertura de novas possibilidades de vida para jovens negros, indígenas e periféricos. Elas corroboram com uma visão que é compartilhada pelas mais renomadas universidades do planeta: a diversidade é uma virtude da ciência.
Quanto mais diferentes cabeças pensantes ganham espaço para produzir ciência, melhor para toda a sociedade. Quantos gênios poderiam estar resolvendo problemas urgentes da humanidade, mas não tiveram a oportunidade de se desenvolverem devido à fome, à miséria e ao ódio aos menos favorecidos?
As cotas são uma revolução silenciosa. "Os cotistas aprimoraram, melhoraram a qualidade da sala de aula, do ensino, inclusive levaram para o campo das pesquisas outros temas, outros assuntos e também contribuíram para enriquecer a produção de conhecimento, a produção de saber", acertou a relatora do projeto, a deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG), em entrevista concedida ao Correio, nesta semana.
Imagine a microrrevolução que um jovem negro da periferia empreende ao entrar no ambiente acadêmico. Com essa conquista, ele traz o sonho para os seus irmão, amigos, vizinhos e todos que nele enxergam um exemplo palpável. É o grande deleite de, pelo menos, poder sonhar.
Não há mais espaço para ignorar a diversidade de corpos que formam o Brasil. No entanto, a medida, por si só, não resolve o problema do fosso abissal da desigualdade. Ainda há o desafio da permanência. A boa notícia é que o texto do projeto de lei prevê prioridade para os mais pobres tanto no ingresso quanto na aquisição dos auxílios sociais, essenciais para que os alunos contemplados pela política consigam viver o mundo de oportunidades que uma universidade federal pode oferecer. Sigamos.