Em dissonância com o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional, movido pelo preconceito contra os povos indígenas, aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.903/2023, uma semana depois de o Supremo Tribunal Federal (STF), por nove votos contra dois, entender como inconstitucional a tese do marco temporal. A tese estabelecia que seriam consideradas terras indígenas os territórios ocupados até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da nova Constituição Federal. Uma aberração histórica, que desconsidera a presença indígena antes mesmo do início da colonização do país.
A tese desconsiderava inúmeros fatores de opressão dos povos indígenas. Há mais de 500 anos, eles resistem às ações que objetivavam o extermínio de todos eles. Desde então, as tentativas não cessaram. O marco legal aprovado pelos adversários dos povos originários foi uma delas. Escancaravam as terras às empresas mineradoras, aos garimpeiros, aos desmatadores, ao plantio de transgênicos e a entre outras atividades nocivas e que colocam em risco a vida dos grupos indígenas. O projeto não poupava sequer as áreas ocupadas pelos grupos arredios ou não contactados —, tratava-se de um vigoroso atentado contra a vida.
Na última sexta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, parcialmente, a lei. Ele teve o cuidado de vetar 34 artigos do PL, que concentravam flagrantes agressões aos direitos aos povos originários consagrados na Constituição Cidadã. Na prática, o presidente regulamentou o processo de demarcação dos territórios indígenas, medida que estava pendente há 35 anos. Em mais de três décadas, os sucessivos governos não cumpriram a determinação constitucional de demarcar os territórios no prazo de cinco anos.
A decisão, alinhada com o entendimento do STF, não impede nem inibirá novas tentativas contra os direitos, os interesses e a vida dos indígenas. A expectativa dos indigenistas é de que os parlamentares inimigos farão de tudo para derrubar os vetos dos artigos, de relevante interesse dos predadores dos povos originários. Uma demonstração de absoluta insensibilidade à importância dos guardiões das florestas nacionais. Para esse grupo, a necessidade de preservação da cobertura vegetal ante os dramas causados pela mudança climática e as vidas de quem não lhes rendem dividendos não têm a menor importância. Portanto, podem ser dizimadas. A tese do marco legal era o sinal verde para uma cruzada desumana contra os povos indígenas. Significava franquia para a derrubada das florestas, pois árvores nobres derrubadas representam um caixa mais gordo.
As cenas de pessoas famélicas e os mortos — crianças, mulheres e idosos —, nas Terra Indígena Yanomami, em Roraima, exibidas ao país e ao mundo no início deste ano, não sensibilizam a ultradireita, que tem expressiva presença no Congresso Nacional. Pelo contrário, é motivo de aplausos aos garimpeiros invasores, que matam, estupram meninas e envenenam as fontes de água com o mercúrio, causador de várias doenças e lesões nos indígenas. As ocupações criminosas se espalham e são ignoradas pelos governos municipais e estaduais — algo evidente em Roraima e em várias áreas do Pará, do Mato Grosso e outras.
Diante da decisão do presidente de regulamentar o marco legal, é mais do que urgente iniciar o processo de demarcação das terras indígenas. Caso contrário, a nova lei terá o mesmo destino e merecerá o rótulo colocado em vários outros marcos legais: inútil.