As forças de defesa de Israel bombardeiam a Faixa de Gaza, mas hesitam em entrar na região. A ocupação militar é diferente do bombardeio a distância. Pode desencadear uma matança sem precedentes e provocar a adesão dos vizinhos árabes ao conflito. A recusa dos líderes da região em conversar com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foi um forte sinal de que a situação está muito perto de sair completamente do controle.
O governo de Israel sofreu a mais devastadora derrota militar dos últimos 50 anos e reage com raiva, promovendo uma guerra de vingança contra o Hamas. O objetivo é exterminar o inimigo. Não há territórios a conquistar. A possibilidade de tentar promover uma limpeza étnica lança a região numa perspectiva de guerra extremamente longa. A bomba atômica, último recurso, tem a capacidade de destruir os dois lados. É, portanto, ineficaz.
O mundo assistiu, há 80 anos, situação semelhante. Foi a Batalha de Stalingrado. A Operação Barbarossa, a invasão da União Soviética, em junho de 1941, tinha três objetivos: atacar Leningrado, que foi cercada e padeceu anos de fome; conquistar Moscou — as tropas chegaram a 40 quilômetros da capital —; e, por último, destruir Stalingrado e alcançar os poços de petróleo do Cáucaso. A cidade que hoje se chama Volgogrado fica nas margens do Rio Volga e foi atacada pela Wehrmacht (exército da Alemanha Nazista) e seus aliados (havia romenos, húngaros, franceses e italianos, entre outras nacionalidades) do Eixo contra as tropas do Exército Vermelho em 23 de agosto de 1942.
A guerra alemã se caracterizava pela brutalidade e pela velocidade. Em pouco tempo, quase toda a cidade foi tomada. Quase. Restaram alguns prédios e uma fábrica de tratores que havia sido transformada para produzir carros de combate. E foi ali, no pequeno espaço de alguns prédios derrubados, bueiros, esgotos e paredes derrubadas que a resistência começou. A luta se transformou em desgastante combate casa por casa, rua por rua. A resistência foi implacável, junto com a inevitável e fortíssima ação do inverno russo. A estação de trens de Stalingrado mudou de mãos várias vezes num único dia. Morreram nesta batalha entre 1,8 e 2 milhões de soldados.
Em meados de novembro de 1942, os alemães tinham empurrado os defensores soviéticos para uma pequena zona na margem oeste do Rio Volga. Quando a Wehrmacht tentava avançar pelo que restou da cidade, o Exército Vermelho desfechou enorme ataque contra os flancos das tropas do Eixo. As forças invasoras foram vencidas e o 6º Exército alemão se viu cercado e isolado na área de Stalingrado. O general Friedrich von Paulus se rendeu em 2 de fevereiro de 1943. Com ele, mais de 230 mil militares alemães e russos capturados, além de milhares de civis, se tornaram prisioneiros. Foi o momento em que a, até então, invencível máquina de guerra dos nazistas conheceu a primeira e decisiva derrota. Os soviéticos contiveram a marcha contra Moscou, romperam o cerco de Leningrado e marcharam para conquistar Berlim. E dividiram a Alemanha em dois países. Um deles controlado pelos comunistas.
São muitos os perigos desta guerra, além da mortandade de civis que nada têm a ver com as idiossincrasias dos extremistas dos dois lados. Se Israel tomar a Faixa de Gaza, terá que prover meios de sua existência. Isso significa controlar e administrar. Os Estados Unidos tiveram que destruir o Iraque para poder controlar o país. E não resultou em nenhum proveito para a democracia na região. No Afeganistão, os soldados norte-americanos também fracassaram. Invadiram o país e ficaram lá 20 anos. Ao final tiveram que entregar o poder para os militantes islâmicos.
A paz americana está sob severa contestação. Surgiram novos importantes países centrais na nova organização internacional da política. A hegemonia dos Estados Unidos se reduziu na medida em que a China avançou, colocou a Rússia como seu satélite — não é por acaso que Putin visitou Pequim nesta semana — e os países da Ásia se projetam como grandes centros industriais e comerciais. Mas o conflito na antiga Palestina, hoje Israel, continua a ser como há 80 anos um cenário de guerra e mortandade de militares e civis. O prolongado confronto não homenageia a inteligência de ninguém.
Os extremistas de lado a lado têm comandado a situação. O veto norte-americano ao projeto de paz do Brasil, que conseguiu 12 votos entre 15 no Conselho de Segurança da ONU, colocou a organização internacional à margem do assunto. Washington assumiu o problema como sendo seu, embora não possua as melhores condições de diálogo. Na falta dele, os dois enormes porta-aviões que estão próximos a Israel, no mar Mediterrâneo, entrarão em ação. Mas, neste caso, será a guerra total.
* André Gustavo Stumpf, jornalista