Cerca de cinco anos atrás, acompanhei o sofrimento de um colega. Filho único, ele viu sua mãe morrer aos poucos, depois que os médicos descobriram que ela tinha câncer de mama. Assalariado, sem meios para garantir o tratamento da mãe em um hospital com mais recursos, a única opção era a rede pública de saúde. Foram semanas e mais semanas em busca de uma consulta. Buscou amigos que tinham contato com as autoridades locais e, finalmente, a mãe dele foi atendida.
Confirmada a doença em estágio perigoso, era preciso tratamento rápido para prolongar o tempo de vida da senhora. Os exames de imagem demoraram. Finalmente, ela conseguiu fazer a mamografia. A indicação era quimioterapia. Passadas sessões prescritas pelo médico, ela precisava iniciar, em um intervalo de poucos dias, a radioterapia. Mas não conseguiu. Os motivos foram os mais diversos para postergar a complementação do tratamento: o aparelho está quebrado e não há data para o conserto; o técnico que opera o aparelho, está de licença e ainda não há quem o substitua. E, assim, entre uma desculpa e outra, o prazo fixado pelo médico foi superado. Quando, finalmente, a senhora conseguiu fazer a radioterapia, o resultado esperado não foi alcançado. O câncer havia se alastrado. A retirada das mamas não foi a melhor solução.
A certeza de que sua mãe estava com os dias contados, estavam estampados na face do colega. Acabrunhado, ele não sabia nem tinha a quem recorrer. Chegava ao trabalho, com olheiras profundas, devido a noite mal dormida. E explicava: "Minha mãe, passou muito mal a noite toda, e eu tive que ficar ao seu lado". Acompanhar a situação dele, a distância, pois não cheguei a conhecer a senhora pessoalmente, só por fotografia. Até hoje, quando encontro o meu colega, ele não deixa de lamentar a perda da mãe.
Lembrei dessa história não só porque tenho uma amiga, ainda bem nova, que recentemente passou por situação muito semelhante. A diferença é que para ela não faltaram meios de acessar atendimento médico, tratamento adequado, medicação necessária, apoio dos familiares, carinho dos filhos, alimentação correta... Ou seja, teve recursos necessários para estender o tempo de vida. Uma realidade oposta à da mãe do meu colega. A senhora morreu.
Para a minha amiga, o Outubro Rosa não foi monocromático, mas colorido. Ela está bem e segue com os cuidados necessários. Essa diferença entre a mãe do meu colega e a minha amiga é uma dura realidade neste país, quando a paciente precisa do serviço público de saúde. Hoje, o câncer de mama é a primeira causa de morte em mulheres no Brasil. As desigualdades socioeconômicas contribuem muito para isso. Como fazer exames regulares, a fim detectar a doença no início, quando ainda é possível vencer o câncer? Esse cuidado não está ao alcance de mulheres que vivem na periferia, labutam o dia inteiro para que não falte comida aos filhos. Sequer têm tempo para marcar uma consulta, pois a perda de um dia de trabalho, sobretudo para as diaristas, faz muita diferença no orçamento doméstico. O outubro, para elas, é quase sempre cinzento ou sem cor alguma.
Os postos de saúde — quando existem — na periferia das cidades não têm profissionais nem equipamentos adequados ou suficientes para suprir a demanda. O deslocamento para o centro da cidade exige dinheiro para passagem,para um lanche, que, no fim das contas, faz diferença na bolsa dessa mulher, que conta os centavos para não faltar ao trabalho. Não há dúvida de que o país está muito atrasado na oferta de serviços de saúde às mulheres e até aos homens que vivem nas bordas das cidades e são carentes de políticas públicas mais humanizadas. A pobreza não pode significar uma condenação à invisibilidade que leva à morte.