A cena do desembarque da ginasta Rebeca Andrade no Rio de Janeiro, no dia 9, é emblemática. A atleta que angariou cinco medalhas no Mundial de Ginástica da Antuérpia, na Bélgica, é, há algum tempo, exemplo para crianças de todo o Brasil, inclusive para aquelas das divisões de base do Flamengo, clube que ela defende, que a recepcionaram no Aeroporto Internacional Tom Jobim. Com 24 anos de idade, Rebeca era como uma dessas jovens sonhadoras: fã de carteirinha de Daiane dos Santos, a ponto de ser conhecida na infância como a "Daianinha de Guarulhos". Mas quem a vê com tantas medalhas no pescoço pode não imaginar o quanto ela precisou batalhar até subir em vários pódios e estampar no rosto aquele sorriso que inspira tanta gente.
A história de Rebeca segue o roteiro da "saga do herói", que tanto mexe com os corações das pessoas. E que, ao mesmo tempo, demonstra o quanto é difícil, dentro de um país cuja cultura esportiva é voltada para o futebol, seguir os passos de referências como Daiane, Jade Barbosa e Arthur Zanetti. Não se trata apenas de resultados, mas de oportunidades. Situação que merece uma atenção especial das secretarias de esportes de todo o país e, obviamente, do Ministério do Esporte, que sucumbiu durante o governo Bolsonaro, retornou na terceira gestão de Lula e já coleciona cobranças e episódios polêmicos, como a saída da ex-jogadora de vôlei Ana Moser do cargo de ministra, lacuna preenchida pelo deputado federal André Fufuca (PP).
Um dos sete filhos da dona Rosa Santos, Rebeca contou desde cedo com o incentivo da matriarca, empregada doméstica e mãe solo, e também de uma tia. Aos 4 anos, entrou para a ginástica, por meio de um projeto da Secretaria de Esportes de Guarulhos, na Vila Tijuca. Cabia ao irmão mais velho levar a aspirante a ginasta aos treinos no ginásio Bonifácio Cardoso, em um percurso de duas horas de duração, a pé. Uma bicicleta ajudou a mitigar essa adversidade.
Aos 9 anos, teve que deixar a mãe e os irmãos e se mudar para Curitiba (PR) para prosseguir com seu sonho. Depois, trajando as cores do Flamengo, vieram melhores condições financeiras e de infraestrutura. Ao longo da carreira, porém, passou por três cirurgias de reconstrução do ligamento cruzado anterior do joelho direito. Pensou em desistir. Prosseguiu, e o resto é história. Medalhista de ouro e prata na Olimpíada de Tóquio, em 2021, arrancou elogios da norte-americana Simone Biles, atleta mais vitoriosa da história da ginástica, com sete medalhas olímpicas e 30 em Mundiais.
O efeito Rebeca se assemelha ao de outros atletas brasileiros que obtiveram proezas: o de vários jovens se inscrevendo em escolinhas e projetos sociais voltados para alguma modalidade. Foi assim com o sucesso do tenista Guga, do boxeador Popó, do nadador Cesar Cielo, dentre outros. Mesmo assim, fica a impressão muitas vezes de que não se consegue manter uma constância para lapidação de jovens que almejam seguir esses exemplos e de que essas referências aparecem de tempos em tempos — não é regra e varia de esporte para esporte. Pouco (ou nenhum) patrocínio e investimento, carência de estrutura e falta de oportunidades são apontados muitas vezes como empecilhos. Exemplos de esportistas vitoriosos não faltam. Na última Olimpíada, o Brasil faturou 21 medalhas, sendo sete de ouro, seis de prata e oito de bronze, terminando em 12º no ranking. Em termos de resultados, imagina ir além.
Recentemente, o Ministério do Esporte abriu processo seletivo para municípios e estados apresentarem propostas de construção de espaços esportivos comunitários, por meio do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Seleções, com prazo até 10 de novembro. A previsão é de R$ 300 milhões de investimentos, do Orçamento Geral da União, para a construção de 200 espaços. Mas é necessário fazer mais para que tantas outras Rebecas e outros Zanettis emerjam e cada vez mais o país seja invadido por exemplos do esporte e de vida.