Meio Ambiente

Artigo: Brasil investirá em fontes de energia limpa

Petrobras anunciou que está de malas prontas para embarcar com força rumo à nova era do hidrogênio verde

MARCELO COUTINHO, professor e coordenador do curso de hidrogênio verde na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ

Não sou eu mais sozinho que está falando isso. A própria Petrobras anunciou que está de malas prontas para embarcar com força rumo à nova era do hidrogênio verde. No limite, serão quase R$ 40 bilhões em investimento em parques eólicos offshore e H2V até 2028, mais do que o dobro do que a maior empresa brasileira terá alocado em biocombustíveis. A escolha é clara. A companhia não vai virar uma usineira de etanol, nem uma fabricante de biometano. A Petróleo Brasileiro S.A se transformará na Hidrogênio Brasileiro S.A, em sintonia com os grandes players globais.

A Agência Internacional de Energia estimou para esta década ainda o início do declínio do combustível fóssil. A demanda cairá expressivos 25% até 2030, e ainda mais nos anos seguintes, até uma queda vertiginosa de 80% em 2050, o que praticamente fechará os poços daquilo que deve entrar para a história como a causa do que quase acabou com a civilização, desorganizando todo o clima. Assim como não há dúvidas de que o capitalismo global diminuiu muito a miséria, a pobreza e a fome no mundo em termos relativos, sendo a era em que as sociedades saíram da escuridão e do atraso civilizatório, também se sabe agora que suas fontes fósseis de energia ameaçam colocar tudo a perder.

Com a progressiva redução da demanda a partir dos próximos anos, o preço do petróleo só não irá desabar de imediato porque as grandes petroleiras — a Opep, sobretudo — aumentarão a sua política de cortes de produção, tentando desesperadamente manter suas faixas rentáveis, até que nem isso mais será possível. Não se sabe ao certo quando o ponto de virada vai ocorrer, mas vai. E quando acontecer, o petróleo ficará encalhado com cada vez menos procura. Os preços do barril, então, subitamente declinarão a um nível de inviabilidade econômica, e tudo será tarde demais para quem não se preparou para isso.

Assim como a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras, a era do petróleo não acabará por falta de petróleo, mas por causa da disrupção tecnológica trazida pelas moléculas de combustíveis renováveis. A Petrobras demorou muito a entender isso, mas finalmente acordou para os fatos inexoráveis da transição energética. Um dos seus maiores movimentos será provavelmente a parceria com a Vale na produção de hidrogênio verde em Icatu do Maranhão, e seus derivados. Porém, a mineradora brasileira também tem ambições próprias nesse setor, e pode acabar decidindo mais pela independência energética para suas minas de ferro e futuras siderúrgicas do aço verde, em sociedade com outras empresas como a H² Green Steel e a SL Energias.

No rol das maiores multinacionais brasileiras que estão entrando na era do hidrogênio verde, podemos destacar ainda a Embraer, cuja parceria com a American Airlines para a fabricação de aviões movidos a hidrogênio verde — ou algum e-fuel refinado do H2V —, soma-se a outras iniciativas semelhantes das grandes companhias aéreas do mundo. Aliás, vai caindo a ficha para todos aqui e lá fora, da Stellantis à Marcopolo, que o combustível do futuro é mesmo o hidrogênio da água, zero carbono. As empresas brasileiras saem um pouco atrasadas, mas como muita vontade de superar o tempo perdido. O maior problema agora é mesmo o Congresso Nacional que até hoje não tem agendada a votação do marco legal do hidrogênio verde. Não se sabe nem qual é o texto que vai prevalecer, e de qual comissão, se do Senado ou da Câmara.

Primeiro, alguns congressistas tentaram mudar o nome do hidrogênio genuinamente verde (eletrolítico/inorgânico) para incluir outros métodos de hidrogênio que não são tão limpos assim, com falsas justificativas. Depois, multiplicaram os projetos de lei para embaralhar tudo. Agora simplesmente não avançam, protelando o desfecho das tramitações mês a mês. O governo também não se empenha para sair dessa paralisia decisória que emperra os investimentos no hidrogênio verde em maior escala. Tamanha demora legislativa reflete, de um lado, a pressão da bancada ruralista para incluir o etanol nos mesmos incentivos públicos que deve ter o H2V, mesmo todos sabendo que o etanol já foi muito beneficiado e que é uma das causas do desmatamento no país. E de outro, reflete a incapacidade dos atores políticos de entenderem o quanto o Brasil está perdendo com esse atraso.

Há 15 anos o país se desindustrializa aceleradamente. Desde de 2009, perdemos mercados industriais no exterior muito importantes e regredimos para a condição de economia agrária exportadora, que nos caracterizou do período colonial até JK. Nada contra o agronegócio. Mas o Brasil tem outras vocações, não pode se manter preso a um único setor, aprofundando sua dependência e as consequências políticas disso. O país tem tudo para ser o campeão do hidrogênio verde, uma indústria de ponta, que ocupará o centro da economia global nas próximas décadas, ligando todos os setores, como o petróleo faz, sem, no entanto, poluir. Ao contrário do petróleo extraído e do etanol que desfloresta, líder inclusive em escândalos de escravidão, é preciso fabricar o hidrogênio verde, verdadeiramente limpo e moderno. O Brasil não pode ficar refém do vandalismo climático, que tenta agora pegar carona no hidrogênio. A decisão correta da Petrobras pesa a favor do H2V, independentemente das forças contrárias e eventuais distorções legislativas.

 


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