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Artigo: Entre o velho e o novo: continuamos como professoras no velho

"A docência do século XXI exige reconhecimento e respeito independentemente do gênero, considerando que esses, em relação às professoras, permanecem arraigados às concepções preconceituosas da época colonial e da primeira república"


No Brasil, a educação foi, por muito tempo, um privilégio masculino. Um parecer de 1904 negou a admissão de mulheres em institutos oficiais. Durante o período colonial, meninas não tinham acesso à educação formal, apenas em conventos. Após 1822, a educação feminina ganhou relevância, mas voltada para funções de mãe e esposa. O currículo limitava áreas de estudo para elas, resultando em salários menores para professoras. A coeducação encontrou resistência, e o ensino primário tornou-se feminino, mas decisões importantes permaneciam masculinas. Estereótipos de gênero persistem, influenciando salários e papéis na sociedade.

Não obstante a feminização da docência, aos homens, ainda, são concedidos os postos de maior prestígio, não apenas na direção das escolas como na docência de universidades. As mulheres, de igual modo, permanecem mais tempo dentro do sistema escolar e concluem em menor número os cursos universitários. As meninas que no fim do século XVIII e início do século XIX foram alunas das escolas normais com o propósito de, posteriormente, exercerem uma profissão, tiveram o destino de grande parte das meninas do século XXI, no qual renunciaram a uma carreira em razão dos compromissos no espaço privado.

Assim como ocorreu no pós-guerra, se viveu, há pouco, um discurso no qual as mães eram necessárias na reconstrução dos valores familiares, morais e cívicos do país. Falar em gênero nas escolas é tema controverso, no qual há corrente que situa a temática em iniciativa "desvirtuante" de meninos e meninas. O retorno à formação das qualidades estereotipadas com a valorização das tarefas de mães e esposa se apresenta como algo presente na atual educação do país. Ainda se aceita com normalidade que as mulheres continuem se ocupando da família, atendendo aos maridos, filhos e filhas, que respondam ao modelo de condição feminina dos séculos XVIII e XIX.

A distribuição da docência feminina ainda permanece desigual — hoje, o número de mulheres com doutorado chega a 82,5%, ao passo de que homens contam com 78,6% com a mesma titulação. Todavia, os homens são os que mais se vinculam aos programas de pós-graduação — 73,2% no grupo masculino e 57,5% no grupo feminino. As mulheres têm encarado este novo século, do ponto de vista da formação educacional, em maior número que homens, mas ainda cabem os questionamentos: se elas têm alcançado no sistema educativo um lugar de destaque, ou seja, se os logros obtidos são os esperados em função dos recursos sociais e pessoais, e se estão satisfeitas com o que têm alcançado.

Para responder a essas indagações, é necessário redivisar o conceito que se tinha, e ainda se tem, sobre a condição feminina e o que as move para mudá-lo. Observar se o peso e a modalidade das presenças e responsabilidades sociais alcançadas no passado ainda se perpetuam. Comprovar que a evolução tem sido produzida desde as primeiras permissões ao trabalho da mulher dentro do magistério, e em que medida isso constituiu em efetiva inserção profissional com reconhecimento e visibilidade social.

Isso nos permitirá ver quais os resultados da interação dos discursos teóricos e as práticas sociais nas dinâmicas públicas e privadas, assim como observar a construção de identidades femininas que se têm buscado como sujeito social distante das imagens idealizadas e moldadas pelos homens. De igual modo, nos permitirá comprovar as repercussões sobre o status pessoal, profissional e social, além das relações interpessoais que têm conseguido maior logro, e a influência exercida por elas na vida de outras mulheres.

A aquisição do saber intelectual pela mulher ainda assusta, dada a estreita ligação entre o conhecimento e o poder. Quanto maior a formação intelectual da mulher, maior é a luta por igualdade. Todavia, hoje, assim como ocorria nos séculos anteriores, as mulheres ainda são consideradas mais aptas para o exercício do magistério, principalmente na primeira infância. A aptidão decorre dos papéis estereotipados da maternidade, estereótipo esse criado, difundido e incorporado na sociedade pelos homens.

A consequência dessas representações construídas das professoras mulheres com instinto maternal e o cuidado de crianças em sua essência mantém a qualificação para permanecerem à frente das salas de aula e distantes de qualquer atuação de poder, como os cargos de direção e magistério universitário. A triste visão de uma sociedade patriarcal e preconceituosa dos séculos XVIII e XIX persiste em clara atividade no magistério feminino. A docência do século XXI exige reconhecimento e respeito independentemente do gênero, considerando que esses, em relação às professoras, permanecem arraigados às concepções preconceituosas da época colonial e da primeira república.

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