Enfim, conseguimos que um autêntico líder indígena chegasse ao maior patamar das letras e linguagem de nosso querido Brasil. A vitória de meu irmão das águas, Ailton Krenak, na Academia Brasileira de Letras, ABL, é uma conquista histórica e ancestral, pois nossos mortos do passado e presente esperam há tempos por justiça, pelo reconhecimento de nossas culturas, línguas e tradições étnicas. Mães, viúvas e idosas esperavam essa representatividade tão negada pelo sistema escravagista, paternalista, racista e ditatorial que ainda hoje se reproduz e se perpetua. Homens e mulheres, guerreiros e guerreiras aplaudem de pé essa conquista! Mas, ainda temos uma luta contra o marco temporal, que ameaça constantemente os direitos indígenas. Novo genocídio nos ameaça.
Por outro lado, temos muito a contribuir na ABL, uma academia que começa a se mostrar mais democrática. As etnias precisam ser ouvidas e no momento possuímos representantes no Congresso Nacional, no Ministério e na presidência da Funai. E agora na prestigiada Casa de Machado de Assis.
Para nós, povos originários, abrimos mais espaços para visibilidade e protagonismo nas áreas de educação, artes, políticas públicas e setor de publicações sobre literatura indígena voltada para escolas, universidades e instituições. Perseguir, assassinar lideranças indígenas, violentar mulheres, invadir e desrespeitar direitos indígenas no momento atual, ficou mais complicado para mineradores, latifundiários, madeireiros e agronegócios, pois teremos mais uma voz que ressoará nas redes sociais, mídia, e sociedade civil e na política: a voz de Krenak.
Nosso grito sufocado há séculos exige que direitos sejam cumpridos como determina a Constituição. Recordemos que em 1987 e 88, várias etnias participaram física e politicamente da elaboração da Carta Magna. Krenak subiu à tribuna de terno branco e impactou a sociedade, quando pintou o rosto de preto enquanto discursava. Com voz suave e compassada, pronunciou seu fantástico discurso, baseado em suas ações. Ali marcávamos um momento histórico, assim como foi a presença de Sepé Tiaraju, no século XVIII, que marchou com líderes a São Paulo a fim de participar da reunião política com o governador-geral, para reivindicar direitos. Tempos depois, antes de ser assassinado por portugueses e espanhóis, em 7 de fevereiro de 1756, gritou: “Essa terra tem dono!” Assim também clamou nosso líder assassinado Marçal Tupã-Y em 1982. E a Marcha das Mulheres indígenas protesta contra essas violações.
Ailton Krenak, 70 anos, é autor de livros baseados em seus discursos como “Ideias para adiar o fim do mundo”, “A vida não é útil”, “Futuro ancestral”, entre outros. O autor é filósofo, escritor, ambientalista, poeta e atua pelos direitos indígenas e meio ambiente desde a década de 1970. Somos amigos e irmãos desde essa época, quando Krenak foi nos visitar. Éramos eu, meu ex-marido, o compositor Taiguara, de origem étnica Charrua, do Uruguai. Estava com sua mulher à época, a antropóloga Ângela Papianni. Tempos depois íamos sempre à União das Nações Indígenas, UNI, organização criada por Krenak para discutirmos a questão indígena, até sermos convidados para visitar o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, pelo saudoso Antônio Olímpio de Santana que fazia parte do Programa de Combate ao Racismo, o mesmo Programa que apoiava Nelson Mandela.
Nessa época, Krenak criou o primeiro jornal indígena e o primeiro Programa de Rádio. E nós, mulheres indígenas, fomos no mesmo caminho, criando o Grupo Mulher-Educação Indígena, Grumin, na Paraíba e o Jornal do Grumin, com apoio do inesquecível jornalista Barbosa Lima Sobrinho, de Alcino Soeiro e Dulce Tupy, do Rio de Janeiro. Escrevemos então o primeiro livro indígena no país: “A Terra é a Mãe do Índio”, primeiro título de autoria indígena (1989).
Ailton inspirou e inspira a muitos indígenas com seu espírito libertário, contundente, progressista, filosófico e humanista. Sempre cauteloso, galga caminhos inimagináveis para que sua literatura oral chegue aos ouvidos até de quem não quer ouvi-lo. Muitas águas rolaram de 1970 até hoje. Vários escritores foram surgindo nas décadas seguintes como Olívio Jecupé, Kaká Verá, Daniel Munduruku, Jaider Esbel, Yaguarê, Tiago Hakiy, Lia Minapoty, Edson Kayapo, Marcos Terena, Auritha Tabajara, Marcia Kambeba, Ademario Ribeiro, Jaime Diakara, Graça Graúna, entre outros.
Nossa luta vale a pena. Estamos construindo a verdadeira história dos povos indígenas. Transformemos nossas casas em bibliotecas.
Eliane Potiguara, Primeira escritora indígena, primeira mulher indígena a receber o título Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
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