A comunicação tem sido subaproveitada em seu potencial para a promoção de uma cidadania ativa e eficácia de políticas públicas. Mesmo reconhecida como estratégia poderosa para informar, promover a participação e educar, seu uso remete frequentemente à simples autopromoção e tarefas instrumentais básicas. No Brasil, onde a polarização e a desinformação são desafios inquietantes, ela deve ser usada como espaço e ponte para a informação, o diálogo e o desenvolvimento social, e, claro, garantir o atendimento público de qualidade.
Comunicação é mais do que um ato unidirecional e não deve ser confundida com divulgação ou promoção. Exemplos de práticas para conservação e expansão do capital político com uso estratégico da comunicação são os (longos) períodos de Getúlio Vargas e do regime militar.
Com a democratização, a agenda passou a ser a comunicação como suporte para o exercício da cidadania. A comunicação a serviço da sociedade se alinha com o bem-estar do cidadão e com a democracia. Uma comunicação eficaz pode intensificar a participação cidadã, promover a elaboração colaborativa de políticas e assegurar a qualidade e acessibilidade das informações para o exercício pleno da cidadania. A compreensão da comunicação como simples instrumento operacional (ainda por cima, muitas vezes restrito à divulgação) expressa uma visão reducionista e obsoleta que destoa do consenso atual de comunicação como função estratégica de gestão.
A comunicação tem o potencial de melhorar os procedimentos internos, qualificar o fluxo de informações e fortalecer laços tanto institucionais quanto individuais com os cidadãos. Por sua capacidade de ampliar a eficiência das instituições, conferir mais transparência, acesso e garantias do atendimento ao interesse público, a comunicação deve ser componente estratégico na execução das políticas públicas e para uma governança responsável. Exemplo paradigmático é o uso de estratégias de comunicação em campanhas de vacinação, prevenção do HIV/AIDS, antitabagismo. Qualquer outra área do Estado merece o mesmo esforço — transporte, ciência, cultura, educação, segurança e previdência, para ficar em poucos exemplos.
E não é apenas no Executivo. No Legislativo, os desafios incluem incentivar a participação cidadã, oferecer educação política e garantir acesso a informações cruciais para o debate. Já no Judiciário, estratégias de comunicação eficazes podem ajudar a restaurar a confiança pública, esclarecer processos e decisões e promover o entendimento do sistema democrático. Na verdade, são desafios comuns a todas as esferas do Estado, amplificados em um cenário em que a sociedade enfrenta cada vez mais desinformação e confusão — muitas vezes produzidas de maneira intencional, como estratégia política, ampliando a corrosão da confiança pública nas instituições, no sistema político e especialmente na democracia.
Passo importante e pouco destacado na evolução da comunicação pública foi a exigência, pela Constituição de 1988, de concursos públicos. Desde então, os avanços têm sido mais lentos que o desejável, provavelmente pela cultura de décadas de uso político da comunicação para promoção pessoal —tradição arraigada e articulada com autoritarismo, patrimonialismo, nepotismo e clientelismo. Ainda não são tão comuns no serviço público políticas formais de comunicação, planejamento integrado, programas de qualificação de comunicadores e de gestores em comunicação, manuais e, particularmente, planejamento de longo prazo e estratégias de comunicação que deem suporte a políticas públicas. Parece existir, ainda, uma centralização do foco no uso das mídias sociais e na veiculação de notícias, como se a divulgação devesse ser prioridade ou suficiente.
Pesquisa deste ano com lideranças de comunicação de sete assembleias legislativas estaduais das cinco regiões mostrou problemas comuns e recorrentes, tais como dificuldades na comunicação com a sociedade, falta de coordenação/integração entre equipes, de estrutura adequada e até mesmo de compreensão do papel por dirigentes.
De qualquer forma, profissionais de comunicação (concursados, em funções de confiança e de serviços terceirizados) passaram a ter como diretriz básica, desde o texto constitucional, colocar a comunicação a serviço do cidadão. Soa como algo um tanto óbvio (e é), mas foi novidade.
Um exemplo do avanço da profissionalização da área está no segundo Congresso Brasileiro de Comunicação Pública, promovido pela Associação Brasileira de Comunicação Pública, que acontece de 16 a 18 de outubro, em Natal, RN. A ABCPública foi criada em 2016 e já conta com mais de três centenas de profissionais de diferentes formações, de vinte estados e de todos os poderes, em seus diferentes níveis, interessados em melhorar a qualidade da comunicação voltada para o cidadão. O tema do Congresso é "O direito humano à comunicação e as ameaças da desinformação". Haverá palestras, mesas-redondas e apresentação de mais de 100 artigos e 15 oficinas virtuais.
A qualidade da informação e do diálogo são pilares do progresso e do desenvolvimento para todos. Sem eles, a sociedade não evolui. Na verdade, se despedaça. A comunicação pública serve para empoderar o cidadão, fornecendo-lhe as informações e ferramentas necessárias para uma participação cívica ativa e consciente. E isso não é apenas tarefa dos profissionais da área, mas desafio multidisciplinar e de todos, particularmente gestores e elaboradores de políticas públicas.
Os profissionais e as áreas de comunicação possuem o desafio de aumentar a capacidade das instituições de cumprirem suas missões, contribuindo para uma governança mais eficaz, serviços públicos melhores e uma democracia vigorosa. Isso será mais viável se garantirmos que comunicação de qualidade faça parte da cultura organizacional e que as ações sejam conduzidas com uma perspectiva centrada no cidadão.
*Jorge Duarte, Vice-presidente da ABC Pública
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