Cesar Victor do Espírito Santo - Engenheiro florestal, conselheiro do Conama Membro da Funatura, da Rede Cerrado e da Remap
Algo de grande preocupação acontece no processo das definições de metas, estratégias e execução das ações relacionadas com as Convenções sobre a Mudança Climática e sobre a Diversidade Biológica, estabelecidas no âmbito da ONU e referendadas pelos países signatários. Sempre achei desequilibrada a atenção dada à Convenção sobre Mudanças Climáticas em relação à Convenção sobre a Diversidade Biológica. Basta ver que, enquanto a Convenção sobre as Mudanças Climáticas já realizou 27 COPs (Conferências das Partes), a Convenção sobre a Diversidade Biológica realizou apenas 15 COPs. A imprensa reserva extensos espaços nos diferentes meios de comunicação para a COP sobre Mudanças Climáticas e pouco para a COP sobre Diversidade Biológica.
Há um forte descompasso e contrassenso verificados nas ações em curso visando atingir as metas estabelecidas em ambas as Convenções. Fala-se o tempo inteiro em diminuição de gases do efeito estufa, em transição energética, em créditos de carbono, dentre outros aspectos. Pouco se fala e se age em relação ao aumento da proteção e uso sustentável da biodiversidade, à restauração ecológica, aos créditos de biodiversidade, etc. Isso sem abordar a questão da pouca disponibilidade de recursos para atender as demandas de ambas as Convenções.
E o contrassenso está acontecendo a todo vapor no Brasil, especialmente no Cerrado, sem consultas e poucos debates sobre os impactos gerados.
No noroeste de Minas Gerais, especialmente no município de Arinos (capital nacional do Baru, planta nativa do Cerrado), na região do Mosaico Sertão Veredas (Peruaçu), estão sendo implementados uma série de projetos de energia solar que, em sua totalidade, abrangerá uma área de 80 mil hectares com "plantios" de placas solares, sendo aproximadamente metade com desmatamento de áreas de Cerrado nativo e o restante convertendo pastagens em diferentes condições, além de outras culturas. Ou seja, o agricultor e o pecuarista estão se tornando "plantadores/monocultores" de placas solares, arrendando ou até vendendo suas propriedades para viverem de renda e ficarem apreciando o "mar" de placas no horizonte. Isso tudo sendo feito por meio de Licenciamento Ambiental Simplificado (LAS) emitido pelo IEF-MG, que não necessita de estudos de impactos ambientais, nem consultas à sociedade.
Os impactos socioambientais são enormes e vão desde a destruição do Cerrado, à perda de biodiversidade, à eliminação de corredores ecológicos tão importantes para a região do Mosaico de Áreas Protegidas Sertão Veredas (Peruaçu), ao comprometimento do abastecimento de água, ao deslocamento de agricultores e pecuaristas tradicionais e locais, dentre outros impactos.
Esta situação é realidade em várias partes do Cerrado de Minas Gerais (Janaúba, Jaíba, Pirapora, Várzea de Palma), do Piauí (Gurguéia), da Bahia (Juazeiro, Oliveira dos Brejinhos), dentre outras localidades, em uma velocidade assustadora, que muda a paisagem da noite para o dia.
Também temos que considerar a implantação de parques de Energia Eólica em várias partes do Brasil, inclusive no bioma Cerrado, sem considerar de forma adequada os impactos socioambientais, que estão acarretando problemas seríssimos às comunidades locais e à natureza.
Pergunto: É correto sacrificar a Biodiversidade, o Bioma Cerrado, para fazer a transição energética e melhorar o Clima? Ou será que há soluções mais inteligentes e compatíveis com a proteção ambiental.
Ao invés de monocultivos de commodities agrícolas teremos "monocultivos" de placas solares. O modelo é o mesmo, grandes áreas desmatadas/convertidas, projetos megalômanos, concentração de terras na mão de poucas pessoas/empresas, deslocamento de comunidades tradicionais, mercado controlados por atores que operam globalmente. Não sei o que é mais impactante ao Bioma.
Por isso é necessário que as propostas de ações, as estratégias, as metas das duas convenções precisam caminhar juntas e que sejam positivas para ambas. Não dá para aceitar que a Biodiversidade seja sacrificada em nome do combate às mudanças climáticas.
É urgente que o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) estabeleça resoluções que prevejam a realização de estudos de impactos ambientais e sociais e minimizem os impactos gerados por essas formas de geração de energia e que esses projetos não sejam objeto de licenças ambientais simplificadas, como ocorre em Minas Gerais, que ainda oferece isenção de impostos para a implantação desses projetos tão destruidores da natureza.