Crises afetam a imagem de grandes organizações públicas e privadas. Mesmo aquelas maduras, com marca consolidada no imaginário popular por bons produtos e serviços, não estão livres de enfrentá-las. Uma certa manhã, a manchete do jornal colocará o gestor da organização, até então intocável, diante da necessidade de agir e explicar erros grosseiros que produziram desastres com vítimas, afetou o meio-ambiente de um bioma ou abalou os pilares institucionais da sociedade.
Lideranças atentas aos solavancos de um mundo em constante mutação não podem ser surpreendidas. Em uma alusão à teoria do caos, precisam tomar medidas que antecipem o bater das asas da borboleta, a fim de evitar tufões destruidores sobre pessoas e organizações. A versão da crise capturada pela opinião pública por vezes é mais nociva que o problema concreto. Pode ser alimentada por antagonismos diversos. Pode ser travada em ambiente de competição ideológica. Pode representar acertos de contas pessoais. Pode revelar milionárias disputas empresariais.
Pode, enfim, iluminar desafios internos da própria organização, até então latentes e não visíveis nos níveis de liderança. Não importa, em qualquer dessas condições descritas é muito difícil manter a reputação preservada. As boas práticas de gestão construídas no passado permitem acumular uma poupança de confiança para ser empregada na primeira linha de contenção das crises. Quando de sua eclosão, prestar contas imediatamente aos mais afetados e responder aos órgãos competentes com prontidão e clareza são boas vacinas contra a formação de ondas opinativas divergentes da realidade.
Afastar imediatamente as pessoas e os fatores alimentadores do problema demonstrará firmeza de propósito da liderança e alinhamento com os valores cultivados e deixados como legado ao longo de anos.
Do gerente da crise é esperado que se afaste do seu centro para obter uma visão holística do desafio e, então, ter melhores condições de direcionar os esforços para uma solução consistente.
Algumas vezes, todavia, a contaminação da crise sobre a imagem da instituição é tamanha que esse gerente se esfalfa para enfrentar o dilema de Sísifo. Emprega toda a energia de sua liderança, de sua função e de seu conhecimento para empurrar a crise montanha acima e dela livrar-se, mas, ao final do dia, ela novamente “rola” montanha abaixo por força de uma ação divergente de adversários internos e externos.
Se as causas do problema forem fruto de ação conduzida por elementos internos desalinhados com os propósitos da organização, evidencia-se um dilema e cabe uma pergunta: a preocupação da liderança em preservar coesão e proteger imagens deverá direcionar-se prioritariamente para os que trabalham pela união ou para os que atacam o corpo físico e moral da instituição? Nos últimos anos, o ambiente social brasileiro sentiu fortemente os reflexos do bater das asas da borboleta.
Uma borboleta que queria mais liberdade, que não aceitava a corrupção, o patrimonialismo secular, a senilidade da política, a ingerência indevida da justiça e a anomia da classe executiva.
Lastimosamente, a brisa suave da esperança de mudança, soprada no início da década de 2010, transformou-se em uma crise, ainda não completamente quantificada, minando instituições importantes do nosso país - os Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e as Forças Armadas – e, mais importante, a união da sociedade.
As lideranças efetivamente comprometidas dessas instituições devem compreender que as escalas de medição dos problemas mudaram. Um desafio quântico não pode ser mensurado com uma régua milimetrada do passado. Sofreremos algum tempo os efeitos dessas crises sociais. Como esperança, novas lideranças crescerão e se fortalecerão.
Tomo Eduardo Galeano para dar luz às minhas observações finais: “há quem acredite que o destino descansa no joelho dos deuses, mas a verdade é que trabalha, como um desafio candente, sobre as consciências dos homens”. Não são os deuses, portanto, os responsáveis pela gestão das crises enfrentadas pela sociedade brasileira organizada, mas a consciência de cada um de seus integrantes, investidos da missão de gerentes comprometidos com a construção de um sentido de propósito da nossa maior e mais valiosa empresa: o Brasil.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general da reserva, foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército