ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
O tráfico de drogas contaminou, seriamente, a sociedade brasileira. Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador são exemplos gritantes do que acontece na cidade grande. Também Fortaleza, que é um hub internacional de empresas aéreas, sofre com os constantes tiroteios. E os estados do Norte, na Amazônia, estão varejados pelos agentes das drogas. As ligações do Brasil com a Bolívia são corredores de transporte. A estrada asfaltada que une o estado do Acre, na cidade de Assis Brasil, ao Peru é um caminho livre e desembaraçado.
A Venezuela, no governo Maduro, fecha os olhos para o tráfico. A produção da Colômbia escoa pelo país vizinho com destino aos Estados Unidos por meio de aviões, pequenos barcos e até submarinos rudimentares. O Suriname, uma das guianas, é, historicamente, ligado à Holanda. Existem voos comerciais para Amsterdã. As drogas viajam dos países produtores para aquele país e de lá seguem para o mercado holandês, onde a droga é livre. E depois invade os vizinhos europeus. Vez por outra a Força Aérea Brasileira intercepta algum pequeno avião carregado de maconha ou cocaína. Normalmente o piloto pousa em emergência numa estrada e foge.
Os principais produtores de cocaína e maconha são, na América do Sul, Colômbia, Bolívia e Peru. De lá partem os carregamentos. Mas o caminho mais curto para a Europa e África é por intermédio do Brasil. Isso explica a explosão da criminalidade no país. Mais da metade dos crimes são de responsabilidade de drogados. Filhos que matam pais, pais que matam filhos ou a mulher, as loucuras do dia a dia que estão se radicalizando nos últimos tempos se devem exclusivamente à droga. Aos consumidores dela que precisam de dinheiro para sustentar o vício. E aos grupos que distribuem o produto. Eles brigam entre si para obter posições mais favoráveis no comércio.
Na geopolítica das drogas, o Brasil se transformou em grande corredor do tráfico e grande consumidor. Isso provoca uma série de efeitos colaterais. Quanto mais segurança o traficante obtém, mais ele avança. Então, eles se organizam em grandes carteis, entram na política, elegem vereadores, deputados, gente mais graúda e passam a controlar grandes áreas. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, não existe Secretaria de Segurança. Os bicheiros, há muito tempo, se infiltraram na política. Depois vieram os traficantes. Numa terceira etapa os policiais se tornaram milicianos, começaram a vender proteção e outros produtos, como TV a cabo e gás para as comunidades. Quem não comprar, sofre.
Os especialistas estimam que o tráfico de drogas movimente algo em torno de US$ 900 bilhões ao ano, aproximadamente 35% do Produto Interno Bruto do Brasil, ou 1,5% do PIB mundial. É muito dinheiro. Os donos do tráfico, que não estão no Brasil, mas residem de maneira luxuosa em vários cantos do mundo, têm capacidade para subornar desde o guarda da esquina até as mais altas autoridades de um país. Nas democracias trôpegas da América Latina trata-se de enorme risco. Ao contrário do que os bolsonaristas proclamavam, a maior ameaça ao Brasil não vem dos comunistas, mas das máfias das drogas.
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) tiveram a possibilidade de tomar o poder em Bogotá. Desistiram porque dá muito trabalho administrar um país. Mas seus comandantes chegaram a dominar extensas áreas e várias cidades do sul daquele país. As autoridades do Equador na fronteira com a Colômbia tinham dificuldades em dialogar com seus equivalentes no vizinho porque a região era dominada pelas FARC, que providenciavam meios para as comunidades viverem. Na verdade, as FARC administravam a região.
No Brasil, o tráfico de drogas movimenta cerca de R$ 19 bilhões por ano. Deste número, R$ 12 bilhões seriam de maconha e R$ 5 bilhões, cocaína. Em 2015, o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas revelou que 7,7% dos brasileiros de 12 a 65 anos usaram maconha ao menos uma vez na vida e cocaína 3,1%. Além disso, 1,4 milhão de pessoas confirmaram ter usado crack em algum momento. Há, portanto, um grande e crescente mercado consumidor que paga o preço pedido pelo traficante.
O bárbaro assassinato dos médicos, num quiosque na Barra da Tijuca, é emblemático. Aquele bairro carioca é uma espécie de capital das milícias, dominado por quadrilhas que substituem o poder público, falido e desorganizado. O governador, antigo cantor de músicas gospel, substituiu o anterior que foi impedido. Outros cinco governadores cariocas foram presos por corrupção. O governo federal precisa acordar para essa realidade. O Brasil está evoluindo no sentido dos traficantes de drogas do México, onde se organizaram em grandes cartéis. E dominam diversas regiões. Não é bom caminho.