Lei Maior

Artigo: A que se deve a eficácia da Constituição?

Por deter a sua supremacia, a Constituição necessita manter, usando as palavras de Konrad Hesse, a sua força normativa, não refletindo apenas os fatos, mas, impondo ordem à realidade política e social

VERA CHEMIM, advogada constitucionalista com mestrado em administração pública pela FGV de São Paulo

Qual é a essência de uma Constituição? O que ela representa? São questões que remetem a uma reflexão importante, a partir do momento em que se volta para o passado e se depara com múltiplas mudanças do ponto de vista social, político, econômico e cultural que foram progressivamente implementadas, tendo como pano de fundo, a promulgação de um documento, cuja supremacia pode ser entendida, tanto do ponto de vista político, quanto jurídico propriamente dito. Do ponto de vista político, a Constituição corresponde a um conjunto de vontades dos constituintes originários que a elaboraram e, por essa razão ela se garante no topo da pirâmide hierárquica, como a “lei das leis”, servindo de bússola para todas as leis a serem criadas no âmbito de um Estado e, por óbvio, responsável pela manutenção daquela unidade política.

Sob a ótica jurídica, a Constituição tem como principal finalidade, a manutenção do ordenamento jurídico, no sentido de coordenar por meio de suas normas, a formação do Estado e a organização de suas funções e respectivas tarefas, por meio da fixação de suas competências e dos limites de sua atuação. Por sua vez, o ordenamento jurídico se encarrega de disciplinar a vida dos cidadãos que convivem em sociedade naquele Estado. Por deter a sua supremacia, a Constituição necessita manter, usando as palavras de Konrad Hesse, a sua força normativa, não refletindo apenas os fatos, mas, impondo ordem à realidade política e social.

É possível afirmar com segurança, que a Constituição Federal de 1988 — além de imprimir um avanço significativo às múltiplas necessidades da realidade brasileira, graças às normas de direito material nela previstas e que protegem a sociedade sob os mais diversos aspectos — tem se mantido altiva diante das crises enfrentadas pelo Estado brasileiro, desde a sua promulgação até os dias atuais. Há que se destacar, também, o fato de que a Constituição tem conseguido proteger o Estado contra qualquer forma de arbítrio e mantém a sua eficácia e efetividade ao acompanhar os fatos e por eles ser legitimada, o que lhe garante o seu vigor e supremacia.

A despeito de tais assertivas, a Constituição brasileira é prolixa, justamente pelo excesso de normas materiais nela dispostas, relativamente às normas de caráter processual, ao contrário, por exemplo, da Constituição americana. Independentemente da diferença dos sistemas jurídicos adotados pelo Brasil (civil law) e pelos Estados Unidos (commom law), o conteúdo da Constituição Federal de 1988 nem sempre coincide com a realidade social, política e econômica, uma vez que a satisfação dos temas elencados em suas normas materiais encontra obstáculos quanto à sua práxis, por serem muito amplas e ambiciosas.

Ademais, vários dos seus dispositivos ainda carecem de lei que os regulamentem, conforme se depreende da sua própria redação, o que remete à omissão do Poder Legislativo em cobrir aquelas lacunas que provocam diversas interpretações e que constituem mais um fator de judicialização de temas junto ao STF, além de promoverem conflitos institucionais, como o atual impasse entre aquele tribunal e o Poder Legislativo, quanto à interpretação e regulamentação do artigo 231 que trata do marco temporal.

Acrescente-se ainda, que os conflitos entre os dois Poderes, também decorrem da tensão entre a vontade da maioria representada pelo Poder Legislativo pari passu com o atendimento aos princípios constitucionais que protegem as garantias e direitos fundamentais dos cidadãos e que são inerentes a um regime democrático. Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal é competente constitucionalmente para assegurar aqueles direitos, uma vez que é o guardião da Carta Magna e representa o poder contramajoritário em face do Poder Legislativo (majoritário).

Apesar de se destacar algumas das suas limitações, a Constituição brasileira tem se mostrado sólida e firme, ao enfrentar crises institucionais pari passu com uma significativa instabilidade política, social e econômica, o que comprova a sua efetividade. Na mesma direção há que se reconhecer que a eficácia de uma Constituição não depende apenas de uma técnica legislativa para a proposição de suas normas, mas, de modo especial, da conjugação de atores sociais, políticos e econômicos, cuja intervenção é absolutamente indispensável para a manutenção da sua força normativa e legitimidade, uma vez que ela deve espelhar, acima de tudo, a imagem do seu povo. Não se pode negar que a Constituição brasileira se compõe de todos esses elementos ao longo de seus 35 anos de vigência.

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