MOZART NEVES RAMOS, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto
No próximo ano, conclui-se o Plano Nacional de Educação (PNE), em conformidade com a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Trata-se, portanto, de uma lei decenal (2014-2024), que estabeleceu 20 metas para a educação brasileira. O PNE compõe um conjunto de diretrizes importantes para assegurar uma educação de qualidade. Quando perguntam-me o que entendo por qualidade, respondo que significa que todos os alunos, no que tange ao direito à educação, precisam ter acesso à escola, aprender os conteúdos essenciais de cada etapa escolar, concluir a educação básica aos 17 anos — término do ensino médio — e ter adquirido as habilidades necessárias para o seu desenvolvimento pleno – aqui estamos falando de uma educação integral para todos.
Portanto, assegurar o acesso à escola é apenas o ponto de partida — e não de chegada. E, nesse quesito, até que o Brasil vinha bem: havia universalizado o ensino fundamental de 6 a 14 anos e melhorado substancialmente, nos últimos 10 anos, as matrículas na educação infantil e no ensino médio. Contudo, tal melhora não será suficiente para alcançar as metas postas no PNE, sem falar que a pandemia jogou um “balde de água fria” no acesso à escola, especialmente na universalização do acesso ao ensino fundamental — meta 2 desse PNE.
Os números do relatório do 4° Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE, produzido pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do Ministério da Educação (MEC), revelam que desde o ano-base desse PNE, ou seja, 2013, o Brasil vinha mantendo uma cobertura próxima a 98% no ensino fundamental de 6 a 14 anos, considerada estatisticamente significativa para a chamada universalização. Todavia, com o advento da pandemia, o país sofreu um sobressalto de 2020 para 2021, com um recuo de cerca de 10 anos nesse indicador— o que o colocou num patamar inferior ao da linha de base (ano de 2013) do PNE. A cobertura de 2020 para 2021 caiu de 98,0% para 95,8% — este último índice é 1% menor do que aquele de 2013.
Assim, é bem provável que o país não consiga cumprir a cobertura escolar de matrículas de 6 aos 14 anos no ensino fundamental esperada para 2024, em decorrência da pandemia. Contudo, esse cenário pode mudar em função da eventual eficácia do trabalho de “busca ativa” (trazer os alunos de volta à escola) realizado neste ano de 2023 pelas Secretarias de Educação.
Quanto ao indicador de conclusão do Ensino Fundamental, ainda relativa à meta 2, na idade recomendada de 16 anos (aqui levam-se em conta dois anos de distorção idade/série: a idade correta é de 14 anos) para pelo menos 95% dos estudantes, os dados apontam que o Brasil alcançou, em 2021, um índice de apenas 81,1%. Em relação a 2020, houve um recuo de 0,8%. Para alcançar a meta de 95%, o país vai precisar crescer em média, ao ano, de 2022 a 2024, 4,6% – o que nos parece absolutamente improvável, analisando o desempenho histórico desse indicador desde o ano de base de 2013.
No que se refere à universalização da pré-escola — etapa anterior aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, que corresponde à faixa etária de 4 a 5 anos de idade, inclusa na meta 1 —, os números revelam que o país ainda tem cerca de 300 mil crianças nessa faixa etária fora da escola. É bom lembrar que deveríamos ter universalizado esse acesso em 2016, em conformidade com a Emenda Constitucional nº 59/2009. Neste ano a cobertura de atendimento foi de apenas 91,5%. Mas a universalização da pré-escola nem sequer ocorrerá em 2024.
A meta 3, por sua vez, tinha como propósito universalizar até 2016 o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos de idade e elevar até 2024 a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85%. Tomando como referência o ano-base de 2013 desse PNE, o Brasil tinha 88,7% de sua população de 15 a 17 anos na escola. Ao chegar a 2016, o país deveria alcançar a universalização dessa faixa etária à escola, em decorrência da Emenda Constitucional no. 59/2009– mas o que se viu de 2013 a 2016 foi um crescimento muito tímido, de apenas 2,1%. Mesmo considerando o ano de 2021, o país ficou distante da chamada universalização, com 95,3%. No que se refere à taxa líquida de matrículas no Ensino Médio, em 2021 o percentual foi de 74,5% da população de 15 a 17 anos, bem distante daquela estipulada de 85% no PNE para 2024.
Por fim, a meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE) tem por objetivo universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à Educação Básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com garantia de sistema educacional inclusivo em salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados. Mas o país, por incrível que possa parecer, não efetivou condições para monitorá-la. O PNE virou uma lei mais de orientação que de cumprimento, sem consequência alguma para quem não a cumpre. Como costumamos muitas vezes dizer, lamentavelmente, “essas coisas acontecem apenas no Brasil”.