ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
A extrema dificuldade dos partidos de esquerda na América Latina de oferecer boas soluções para a economia tem sido o momento de desgaste profundo. As palavras de ordem, as soluções simples e populistas se esgotam rapidamente, no processo democrático, na medida em que a inflação sobe, os empregos desaparecem, a segurança pública piora. O Brasil ainda é uma exceção neste cenário, mas os vizinhos no continente estão vivendo dias difíceis com a queda da popularidade dos presidentes de Argentina, Chile, Colômbia e Peru.
O insucesso dos esquerdistas no continente dá fôlego aos partidos de centro e de direita, que estão se organizando para ocupar o espaço da onda que se esvai. No Brasil, a crise é visível na disputa de poder entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. O parlamento é majoritariamente conservador, mas os juízes do tribunal constitucional são majoritariamente liberais. Há um choque entre os dois poderes, que deverá ser arbitrado pelo presidente da República. Vetar o que for votado no parlamento não é remédio, porque agrava a crise e o veto pode ser derrubado. É necessário criar o espaço para a livre convivência entre os divergentes.
A esquerda da América Latina está na posição de entender melhor o que aconteceu na China. É muito simples dizer que os comunistas chineses criaram um país com dois regimes, um político e outro econômico, liberal e capitalista. A mudança chinesa, muito inteligente, é mais profunda do que se imagina. A antiga União Soviética saiu do regime comunista com a liberação de preços ordenada por Boris Yeltsin, que criou uma barafunda econômica sem precedentes. Surgiu uma violenta inflação, desindustrialização veloz, perda do poder aquisitivo, falta de empregos e, o pior, as grandes empresas estatais passaram para as mãos dos amigos do poder. Corrupção em larga escala. O processo se conclui com a ascensão de Putin, um ditador esclarecido que governa sem partido, com base nos amigos e na lealdade comprada dos militares.
A adoção de práticas neoliberais na Rússia provocou o desastre econômico e a falência do regime democrático. É humilhante para o grande chefe da Rússia receber, numa base militar secreta no noroeste do país, o gordinho ditador da Coreia do Norte para negociar compra de armas do país vizinho. É a demonstração pública de que o poderio russo não consegue sustentar a guerra contra diminuta Ucrânia. O conflito deveria ter sido resolvido em algumas semanas e já dura mais de ano.
Os chineses tomaram o exemplo russo como o oposto do que eles desejavam para o futuro de seu país. A União Soviética se desintegrou. A China continua firme sob um governo central e o país está unido, depois de conseguir integrar mais de 700 milhões de habitantes na economia produtiva. Este número equivale a toda população da Europa. Os chineses chegaram à economia aberta mantendo controle dos principais setores. É um sistema misto que eles sabem controlar muito bem. Há liberdade, mas há controle, isso sem falar na questão política que é monitorada pelo partido comunista. E funciona na China um grande firewall que impede seus habitantes de ter contato com Facebook, Waze, Instagram, Twitter (agora X) e outros aplicativos fartamente utilizados no ocidente. Os chineses criaram seus próprios aplicativos que substituem bem os ocidentais.
Nenhum partido de esquerda no poder na América Latina conseguiu chegar perto da solução encontrada pelos economistas chineses. Na região, os partidos de esquerda patrocinaram desastres semelhantes ao ocorrido na União Soviética. A confusão argentina, agonia que se desenrola diante dos olhos do mundo, é a confissão de impotência da esquerda em lidar com os conceitos da economia moderna. Seus pensadores mais influentes continuam presos às ideologias dos anos 60 do século passado. Não entenderam a globalização, o consenso de Washington, nem os fenômenos posteriores à guerra da Ucrânia.
Surgiu um livro interessante que procura explicar a diferença no tratamento da economia realizado pelos soviéticos e pelos economistas chineses. Também a diferença entre a Alemanha Ocidental, próspera e rica, e a extinta Alemanha Democrática, comunista, que viveu nos seus últimos anos dos empréstimos concedidos pelos grandes bancos ocidentais. O livro é Como a China escapou da Terapia de Choque, de Isabella M. Weber, Boitempo. A autora é alemã., nascida em área próxima ao muro que dividiu seu país, estudou nos Estados Unidos e entrevistou dezenas de economistas chineses. É um texto técnico. Vale apena passear pelas páginas que explicam o desastre das esquerdas no trato das economias em seus respectivos países.