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Economia

Artigo: Fora o atraso, Lula está correto

Lula deveria sair de toda essa confusão elegendo como efetivamente prioritário o equacionamento previdenciário em todas as esferas de governo

Lucro -  (crédito: Caio Gomez /CB/D.A Press)
Lucro - (crédito: Caio Gomez /CB/D.A Press)
postado em 31/10/2023 06:00

Enquanto escrevia outra coluna na sexta passada, onde alardeei, e também discuti em detalhes, a difícil gestão financeira de estados e municípios diante do agudo problema previdenciário que lhes atingiu, acabei relembrando que a União, hoje sob Lula, padece exatamente da mesma enfermidade, mas ninguém fala dos deficits brutais e crescentes dos regimes próprios de previdência em geral. Note que a outra e principal face desse mesmo problema é a desabada dos investimentos em infraestrutura (e, por consequência, do crescimento médio do PIB), exatamente o que Lula não quer... Agora, apesar da demora, pelo que tem dito à mídia, parece felizmente já estar acordando para tal problema.

Como também mostrei no outro artigo, o estreitamento do espaço orçamentário dos entes públicos tem ainda uma face pouco conhecida a mais, a do estrago causado por determinados suborçamentos com alto grau de autonomia. Tais segmentos provocaram a expansão dos demais gastos primários, à parte previdência e infraestrutura, o que tornou ainda mais acirrada a disputa por espaço.

Nesses últimos, há os em que os gastos são protegidos por vinculações de receitas, como saúde e educação; e os que estão sujeitos a uma considerável autonomia financeira e administrativa, como é o caso dos Poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública. Sem falar nos gastos com amortizações e juros da dívida herdada. Nesse conjunto, em que pesem as vantagens da autonomia (como os elevados reajustes reais de pisos de professores que se estendem aos aposentados), há inclusive uma grita geral contra terem de pagar suas próprias contas com inativos e pensionistas. Ou seja, uma hora, os segmentos que comandam o processo acabam se digladiando entre si…

Pena não poder divulgar aqui um gráfico que costumo levar debaixo do braço (peça a raulvelloso45@gmail.com) que ilustra bem isso. Comparando a estrutura do gasto federal em 1987 (último ano antes da atual Carta Magna) com o último ano sobre o qual consegui levantar as informações relevantes (2021), vê-se que o chamado gasto obrigatório (todos, exceto investimento mais demais correntes discricionárias) havia subido não menos do que de 66,3 para 96,8% do total, algo chocante! Já os 3,2% restantes de 2021 se referiam a investimento (2,3%) e demais correntes (0,9%). Em 1987, esses dois itens tinham sido de 16% e 17,7%, respectivamente. Daí se deduz o que tenderia de fato a zerar, ou seja, os minguados investimentos.

Voltando à previdência, o problema é comum a todos os entes públicos, e a solução é uma só: equacionar, isto é, zerar, os passivos atuariais em cada um, para abrir espaço para os demais itens, só que muito pouco se tem feito nessa direção. (Para mais detalhes, veja o vídeo que acabo de inserir no canal do INAE, que dirijo, no YouTube, em: https://www.youtube.com/watch?v=w1UzweoqPl0&t=784s).

Já o "arcabouço" que as autoridades fazendárias fizeram com que Lula aprovasse, basicamente para acalmar os mercados financeiros com algo aparentemente sofisticado, ainda que mais difícil de entender e igualmente tão difícil de cumprir quanto o "teto de gastos" de Temer, e que o presidente aparentemente acabará acompanhando, na essência resume-se à pura e simples fixação de metas de resultados primários para a União iguais a zero em 2024; 0,5% do PIB em 2025 e 1% do PIB em 2026.

Falei disso tudo sem saber ainda da entrevista que Lula — que pode se atrasar para denunciar, mas não necessariamente deixa de perceber o que é relevante — finalmente havia dado sobre o assunto. Isso ocorreu na mesma hora em que eu escrevia o outro artigo, e onde ele disse que, por mais que os radicais de sempre o pressionassem, na prática, não zeraria seu deficit primário potencial de 2024 pelo lado do gasto, se isso tivesse de ser feito à custa da destruição dos investimentos em infraestrutura — hoje já nos menores níveis históricos, conforme eu mesmo explicara no link do YouTube acima indicado.

Lula deu a entender, assim, que abortaria a missão que ele mesmo havia dado a Fernando Haddad e, por tabela, aos criadores do chamado arcabouço fiscal, algo que eu, de tantos anos também vividos em funções públicas nessa área, percebo que será facilmente absorvido por Haddad sem maiores traumas, pois bem que tentou, mas o tal arcabouço fiscal que alguém deve ter lhe enfiado pela goela acabará desaparecendo da mesma forma que o teto de gastos se foi.

Para concluir, penso que Lula deveria sair de toda essa confusão elegendo como efetivamente prioritário o equacionamento previdenciário em todas as esferas de governo, ora executando (União), ora apoiando (estados e municípios). Dessa forma, poderá dizer que, agora, vai cuidar do assunto do jeito certo e para valer. Penso que ele deveria deslocar seu ministro pau-para-toda-obra, o eficiente Wellington Dias, que acaba de comandar exatamente uma das únicas missões bem-sucedidas de equacionamento previdenciário na última safra de gestões estaduais, no seu Piauí.

 


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