É uma interessante coincidência que o Grupo de Trabalho Antissuborno da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tenha publicado relatório sobre a situação do Brasil na Convenção Antissuborno poucos dias antes do Dia do Servidor Público, comemorado neste 28 de outubro. Entre tantos pontos, o texto aponta para uma prática recorrente e extremamente danosa para o Estado brasileiro: o uso arbitrário de medidas disciplinares como forma de retaliação a agentes públicos que atuam regularmente, a serviço do melhor interesse da sociedade.
A constatação por parte da OCDE de que existe o uso arbitrário de medidas disciplinares ou outras medidas de responsabilização como meio de retaliação a servidores públicos não é uma novidade para quem vive diariamente o serviço público brasileiro e atua com autonomia, respeitando os limites da legalidade e o interesse público, resistindo a pressões e interesses privados.
Na Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), debatemos intensamente os mecanismos de proteção ao Estado e o assédio institucional, impelidos, infelizmente, pela instauração de processos administrativos claramente persecutórios, instaurados como forma de reprimir a atividade representativa ou de inibir atuações funcionais independentes.
No ano passado, participamos de relevante e necessária Audiência Pública no Senado Federal sobre assédio institucional no serviço público, realizada pela Comissão de Assuntos Sociais, requerida pelos senadores Fabiano Contarato (PT-ES) e Paulo Paim (PT-RS). Representantes de diversas carreiras trouxeram abundantes exemplos de como ocorrem as perseguições e intimidações a servidores públicos. Que grau de risco pessoal você estaria disposto a correr para defender o interesse da sociedade?
Instaurações de procedimentos disciplinares ditos apuratórios, mas com desfechos já decididos (ou pretendidos), que promovem devassas ou se arrastam por anos, para servirem de instrumento de silenciamento ao agente e de recado a todos os demais; designação de integrantes parciais, sem independência, para comissões disciplinares ou correicionais, pessoas alheias às carreiras de Estado; descontos remuneratórios indevidos, inviabilizando a representação classista; responsabilizações desproporcionais; remoções imotivadas, por exemplo. O que se vê é um risco decorrente da atuação altiva, o que implica em um incentivo ao desempenho omisso.
Em um exercício de definição mais amplo, o assédio institucional é a prática indevida de constrangimento, deslegitimação, desqualificação, perseguição e ameaça às atividades de determinado órgão governamental e de seus servidores, com a finalidade de pautar interesses particulares às atividades finais dos agentes públicos.
Esse uso desvirtuado de vias legais para pressionar agentes públicos é, infelizmente, uma ferramenta poderosa usada com frequência por quem quer burlar regras e se utilizar da estrutura do Estado para fins espúrios. Subvertidas, essas vias legais fazem o braço forte do Estado ser usado para penalizar ou silenciar justamente quem o defende de forma imparcial, o que é grave sobretudo em estruturas ligadas à fiscalização, controle, investigação e combate à corrupção.
Parlamentares atentos a esse problema já formularam propostas legislativas capazes de coibir situações assim. Os PLPs 79/2022 e 123/2022, que tramitam, respectivamente, na Câmara e no Senado, preveem salvaguardas para atividades de fiscalização financeira, abrangendo auditoria do SUS, controle interno e controle externo da Administração Pública.
Neste Dia do Servidor Público, insistimos neste alerta por sabermos que o serviço público precisa de estruturas menos vulneráveis, que sejam minimamente capazes de viabilizar atuações imparciais e regulares – o relatório deste ano da OCDE recomenda a adoção urgente de medidas. A Auditoria de Controle Externo, o combate à corrupção, a defesa do interesse público não se concretizam com medo ou sob ameaça.
Thaisse Craveiro é Vice-presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Auditora de Controle Externo, mestre em Planejamento e Políticas Públicas.
Francisco Gominho é fundador e ex-Presidente da ANTC, Auditor de Controle Externo aposentado da área de Auditoria de Obras Públicas e do Setor de Inteligência do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, atuando em grandes operações no Estado, juntamente com a Polícia Investigativa e o Ministério Público.
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